Para os psiquiatras é fácil explicar: trata-se de um distúrbio de comportamento. Para as pessoas que tomam cuidados excessivos para evitar a nova gripe, no entanto, o problema não é tão claro. Começa como um receio injustificado. À medida que as notícias ruins vão aumentando, a sensação dá lugar ao medo e à certeza de que algo ruim está prestes a acontecer.
Aos poucos, a rotina está modificada e passa a girar em torno dos cuidados exagerados para se manterem limpas e a salvo do vírus desconhecido.
Situações de estresse como a causada pela pandemia da nova gripe são apontadas pelos especialistas como desencadeadoras de depressão. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 121 milhões de pessoas sofrem da doença em todo o mundo e uma das manifestações de quadros depressivos é a ansiedade.
De acordo com o conselheiro do Programa ABP Comunidade, da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Leandro Nascimento, a ansiedade é uma sensação comum a todos os seres humanos. Porém, em excesso traz sérios prejuízos.
“Na maioria das vezes, essa sensação é benéfica, pois nos prepara para um evento novo”, explica. “Quando a ansiedade é constante aumenta a produção de cortisol (hormônio associado ao estresse) e isso pode gerar sintomas de depressão.”
Porém, são as pessoas com tendências para o desenvolvimento de problemas como o transtorno obsessivo compulsivo (TOC), hipocondria e fobias que acabam sofrendo mais com a situação. “Até 3% da população pode apresentar transtornos com características repetitivas, como o transtorno obsessivo compulsivo e a hipocondria”, afirma Nascimento.
Enquanto hipocondríacos não conseguem deixar de pensar (e de ter certeza) de que estão doentes, as pessoas que sofrem com fobias (como o medo de ficar doente) temem, por exemplo, serem contaminadas, explica a psiquiatra e coordenadora do programa de distúrbios obsessivos compulsivos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Christina Hajaj Gonzalez.
Já as pessoas com TOC desenvolvem comportamentos repetitivos, como forma de se certificarem que estão seguras. Assim, uma pessoa com temor de ser contaminada por qualquer tipo de vírus pode, por exemplo, ter o hábito de lavar as mãos continuamente até o ponto de gastar um sabonete por lavagem e ou até mesmo se machucar.
Prejuízos
“A linha que divide uma pessoa precavida de uma exagerada é transposta quando há prejuízos“
Ainda que não existam dados sobre o reflexo causado pela nova gripe nos distúrbios psiquiátricos, alguns especialistas dizem já sentir o aumento da procura causada pela pandemia em seus consultórios.
“Aumentou tanto a procura de novos pacientes como a recorrência de sintomas”, afirma o psiquiatra Isaac Efraim. “Pacientes que vinham evoluindo razoavelmente bem, principalmente do quadro de hipocondria, tiveram uma piora dos sintomas em função da gripe suína. Alguns de forma significativa.”
Efraim, Nascimento e Christina são unânimes quanto às recomendações: nenhum tipo de precaução pode afetar a vida das pessoas a ponto de causar prejuízos em suas relações sociais. “A linha que divide uma pessoa precavida de uma exagerada é transposta quando há prejuízos. Ela começa a não sair mais de casa, não vai mais ao trabalho e perde o contato com a família”, afirma a psiquiatra da Unifesp.
‘Precaução’
“Estou tentando não deixar isso acontecer, espero que seja uma situação passageira”, diz a empresária Claudia Fonseca Gandolpho. Desde que as primeiras notícias sobre a nova gripe e sua letalidade em gestantes começaram a surgir, ela mudou completamente sua rotina.
Grávida do segundo filho, Claudia se afastou de sua empresa recém inaugurada, da família, dos amigos e passou boa parte da gestação dentro de casa. Quando a irmã ou a mãe, as poucas que ela recebeu durante o período, foram vê-la a primeira pergunta era sempre uma só: “está com algum sintoma da gripe?”
Nas consultas com seu obstetra, Claudia adotou outra medida preventiva. Marcava sempre no primeiro horário para ter certeza de que o consultório estaria vazio. Aos poucos percebeu que os vidros de álcool em gel espalhados pela casa e todos os cuidados de que se cercou ainda eram insuficientes.
“Estava entrando em paranoia e quando percebi que isso estava tomando conta tentei brecar”, diz. “Não queria ter contato nem com a empregada. Evitava ficar no mesmo ambiente e pedi para ela evitar o contato de mão e beijo quando ela ia à igreja, mas vi que não tinha como ter controle sobre isso.”
Hoje, pouco mais de uma semana após dar à luz a Enrico, Claudia afirma que os cuidados vão continuar. Seu marido, Carlos Gandolpho, está resfriado. Dentro de casa, agora ela conta com um assessório inseparável, uma máscara cirúrgica para evitar o contágio da família.
Ela, no entanto, diz já estar mais tranquila e não temer que os cuidados adotados durante a gravidez, e agora nos primeiros meses de vida de Enrico, se tornem um problema no futuro. “Não tenho medo porque estou sabendo trabalhar bem com isso”, afirma Claudia.