O Brasil está prestes a viver um “tsunami” de gás natural, alertam especialistas, diante da perspectiva de aumento da oferta nos próximos anos, antes ainda da produção maciça que deverá vir dos campos do pré-sal. Até setembro, o País já acumula uma média de 33 milhões de metros cúbicos (m³) por dia excedentes de acordo com dados do Ministério de Minas e Energia. Com os campos do pré-sal, a sobre oferta pode subir para até 80 milhões de m³ por dia.
Já no ano que vem, o excedente deve ser ampliado em pelo menos 10 milhões de m³ por dia, com a entrada em operação da plataforma de Mexilhão, que deixou ontem o estaleiro Mauá, no Rio de Janeiro, rumo à Bacia de Santos. Maior estrutura de aço já construída no País, a plataforma deve chegar ao destino em duas semanas. A entrada em operação está prevista para meados de 2010.
A unidade tem capacidade para produzir 15 milhões de m³ de gás natural por dia, volume que será atingido gradualmente, de acordo com o desenvolvimento do mercado. A última grande reserva de gás a entrar em operação no Brasil, Camarupim, no Espírito Santo, está hoje sem produção por falta de consumidores.
Para o diretor de gás e energia da Shell Cone Sul, Antonio Assumpção, a sobre oferta é fruto do atual modelo do setor elétrico, que não atrai investimentos em gás e energia. Para ele, o problema vai se agravar com o início da produção do pré-sal. “Teremos uma reserva excedente de pelo menos 50 TCFs (trilhões de pés cúbicos de gás natural, o equivalente a 1,8 trilhão de m³) para destinar para a exportação a partir de 2020, quando as áreas do pré-sal começarem a produzir.” Segundo ele, somente Tupi e Júpiter já teriam reservatórios suficientes para dobrar o volume total de reservas de gás no País hoje, de 15 TCFs (420 bilhões de m³).
Em contrapartida à oferta crescente, e ao contrário de poucos anos atrás, a demanda está deprimida. Aliado à crise econômica mundial, que reduziu as atividades da indústria, o consumo também foi reduzido porque as usinas térmicas não foram acionadas. O País passa pelo período mais úmido da sua história, com os reservatórios das hidrelétricas quase vertendo água num período em que era para ser seco.
O sistema elétrico nacional tem como base as usinas hídricas, que respondem por mais de 90% da energia gerada. Com isso, as termoelétricas só são ativadas emergencialmente em momentos de seca, onde há equilíbrio entre a falta de energia e o seu custo mais elevado. “Se estamos assim no fim do chamado período seco, agora que entraremos no úmido não há perspectiva de as usinas serem acionadas”, admite a diretora de Gás e Energia da estatal, Graça Foster.
Para ela, a demanda ao final de 2010 deverá ser a mesma de janeiro deste ano, na casa dos 40 milhões de m³, volume menor do que todo excedente junto previsto após a entrada em produção de Mexilhão. “Na prática, apesar de estarmos registrando uma retomada do consumo industrial nos últimos meses, vamos perder um ano em ritmo de crescimento da demanda em geral”, comentou, frisando que em nenhum momento houve queima de gás excedente. Segundo ela, as queimas que chegaram a bater recorde este ano, na casa dos 13,3 milhões de m³ em junho são “técnicas”.