Eles vivem em colônias no subsolo, têm uma rainha com seu harém de machos favoritos, há soldados que defendem o sistema do túnel e operários que escavam em busca de comida.
Apesar de possuírem a estrutura social de um ninho de formigas ou de uma colmeia, os ratos-toupeira pelados são mamíferos do tamanho de um camundongo. Dentre as muitas peculiaridades desses animais estão características que podem, se forem de fato descobertas, trazer importantes informações sobre saúde e longevidade humanas.
A expectativa de vida de um roedor é excepcionalmente longa. Camundongos vivem poucos anos, mas os ratos-toupeira podem chegar aos 28 anos. A vida longa é provavelmente uma consequência de sua existência protegida. Os camundongos têm vida curta porque possuem muitos predadores. É melhor procriar rápido e enquanto jovem do que se preparar para uma vida adulta que nenhum viverá para ver. Esquilos cinzas, por outro lado, têm menos inimigos e podem viver mais de 20 anos.
A vida dos ratos-toupeira pelados é ainda mais protegida do que a dos esquilos. As rainhas nunca vão até a superfície. Até mesmo os operários apenas são expostos quando precisam levar a sujeira para a superfície da terra.
O principal perigo da colônia é outro rato-toupeira, que pode arrombar o sistema de túnel, testando as defesas da casta do soldado. Outro risco para a vida deles é um tipo de guerra civil que acontece quando a rainha morre. Outras fêmeas, intimidadas a permanecerem estéreis enquanto a rainha viveu, retomam sua fertilidade e lutam até que uma seja vitoriosa.
Porém, esses eventos são pouco frequentes, e aparentemente por causa dessa segurança relativa, os ratos-toupeiras evoluíram a habilidade de viver dez vezes mais do que os camundongos.
Os camundongos são muito propensos a desenvolverem câncer; em alguns casos 90% deles morrem dessa doença. Já os humanos têm defesas mais fortes contra o câncer, o necessário para um animal de vida longa: a doença é responsável por 23% das pessoas. Todavia, os ratos-toupeiras têm defesas ainda maiores contra o câncer: parece que eles não contraem a doença. “Nunca foi observado desenvolvimento de neoplasmas espontâneos nesses animais”, relataram Vera Gorbunova e seus colaboradores no artigo da edição atual do periódico “Proceedings of the National Academy of Sciences”.
Gorbunova, que trabalha na Universidade de Rochester, deu o primeiro passo em direção ao entendimento da base genética da surpreendente imunidade ao câncer dos ratos-toupeira. Ela e seus colaboradores descobriram que as células dos ratos têm um sistema duplo para inibir a proliferação irregular, enquanto o sistema humano apresenta um único sistema para inibir essas células.
As células normais dos humanos desenvolvidas em laboratório mostram um comportamento conhecido como inibição de contato. Uma vez que as células entram em contato umas com as outras, elas formam uma camada única e param de se dividir. As células cancerígenas, contudo, livraram-se dessa contenção e continuam se proliferando, formando uma camada em cima da outra.
Genética
Gorbunova descobriu que as células dos ratos-toupeira e dos humanos têm um mesmo sistema de inibição de contato, mediadas por um gene conhecido como p27. Entretanto, os ratos-toupeiras, além disso, têm uma versão de ação precoce do mesmo sistema e aparentemente usam o sistema p27 apenas como uma reserva.
Quando as células dos ratos-toupeira, cultivadas em frascos de laboratório, fazem apenas pouco contato umas com as outras, elas param de crescer e de se dividir. Esse sistema de inibição de contato precoce é mediado por um gene chamado p16-ink41. As pessoas também têm o gene p16-ink4a, mas parece que ele não desempenha nenhum papel de inibição de contato das células. O sistema duplo dos ratos-toupeira pode ser um dos motivos de sua imunidade extraordinária ao câncer.
Outra diferença do nível celular entre as espécies é que as células dos ratos-toupeira mantêm um sistema ativo para deixar que as células se dividam. Esse sistema, chamado telomerase, é inativo em células humanas maduras, aparentemente como uma defesa contra o câncer. Gorbunova acredita que os ratos-toupeira conseguem manter a telomerase ativa, porque suas defesas anticâncer são muito boas, e que a telomerase ativa pode conceder vida mais longa às células de origem, que são responsáveis pela reparação e manutenção dos tecidos do corpo.
Contudo, Ronald da Pinho, da Faculdade Médica de Harvard, especialista em câncer e telômeros, discordou, dizendo que a telomerase inativa pode ser um risco de câncer para as células humanas porque ela leva à instabilidade genética.
A vida mais longa dos roedores é geralmente associada com a restrição calórica, uma dieta com 30% menos calorias que o normal. Camundongos de laboratório e ratos que são expostos a essa dieta ao nascer podem vivem 40% mais que o normal. Muitas outras espécies têm o mesmo reflexo, e alguns biólogos acreditam que isto é uma estratégia de sobrevivência antiga, na qual durante momentos de fome, as reservas do corpo são ativadas para manter os tecidos, com a esperança de eliminar os maus momentos e de procriar mais tarde.
Os ratos-toupeira parecem levar um estilo de vida do tipo “comer e sentir fome”. Eles se alimentam de tubérculos, despensas de nutrientes no subsolo fornecidos pelas plantas em ambientes desérticos. Um tubérculo pode alimentar uma colônia de 100 ratos-toupeira por meses. Mas mesmo sendo cuidadosos em utilizar o tubérculo sem matar a planta, o tempo passa e periodicamente eles precisam procurar outra. Como eles não se aventuram acima do solo, eles precisam confiar na habilidade de sua força de trabalho de escavação de túnel para encontrar outros tubérculos na vizinhança.
Os ratos-toupeira, aparentemente, ficam bastante famintos até a descoberta de outro tubérculo. Outra peculiaridade desses animais é que eles costumam reciclar ao extremo, até ao ponto de comer seus próprios excrementos. A alternação contínua de comida e fome, assim como a restrição calórica, pode também ser um dos mecanismos responsáveis pela longevidade dos ratos-toupeira. Porém, um especialista em genética da restrição calórica, Leonard Guarente, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, notou que os ratos-toupeira desfrutavam da vida longa em cativeiro, onde eles eram alimentados o tempo todo.
Gorbunova planeja formar uma colônia de ratos-toupeira em seu laboratório, com tubos de plástico fazendo uma conexão de redes das gaiolas para servir como um sistema de túnel e cenouras substituindo os tubérculos do deserto. Para entender a longevidade humana e o câncer, disse ela, “é importante estudar outras espécies além de camundongos”.
“Eu acredito”, continuou, “que esse é o início de uma longa jornada”.