Como é de conhecimento de quase toda a população dracenense, a cidade tem como pioneiros Írio Spinardi, João Vendramini, Virgílio e Florêncio Fioravante, que em setembro de 1945 tomaram a iniciativa de estabelecer um núcleo na “Zona da Mata”, área compreendida entre os rios do Peixe, Aguapeí (Feio) e Paraná. Os fundadores da cidade adquiriram uma gleba de terra de cerca de 30 alqueires, em região quase virgem, ocupada apenas por algumas propriedades muito grandes e esparsas.
A data de oito de dezembro, fundação da cidade, foi escolhida por ser dia da Imaculada Conceição, para que Dracena se desenvolvesse sob a égide de Nossa Senhora.
Os administradores dividiram a terra em pequenas glebas e doaram porções de terra a pequenos proprietários, que também contribuíram para o crescimento do futuro município. A região sobrevivia basicamente do cultivo do café, que na época era um dos principais produtos de exportação do País e o que dominava a agricultura na região.
A pedra fundamental da cidade foi lançada no dia 8 de dezembro de 1945, o município foi criado em 1948 e o primeiro prefeito foi Írio Spinardi, que assumiu o mandato em 4 de abril de 1949, data da emancipação político-administrativa de Dracena.
O então povoado de Dracena teve suas terras desmembradas no Distrito de Gracianópolis, hoje Tupi Paulista, que fazia parte do município de Lucélia.
Uma das grandes propriedades que faziam parte da região na época era a Fazenda Tocantins, que no início da década de 40, deu origem à Fazenda Santa Catarina, que até hoje, mais de 60 anos depois, continua sendo administrada pela família Fioravanti, não pelos descendentes de Florêncio ou Virgílio Fioravanti, e sim pelo filho de Osvaldo Fioravanti, irmão de Virgílio.
A fazenda, que é uma das poucas na região que ainda se mantém intacta, é comandada por Ernesto Fioravanti e por seu filho André e atualmente possui a maioria de suas terras tomadas pelo cultivo da cana-de-açúcar.
Porém, a cana só chegou à fazenda nos últimos cinco ou seis anos, assim como na maioria das propriedades da região. Antes disso, na década de 40, a fazenda era produtora de café, como toda a região. Ernesto Fioravanti lembra que começou a trabalhar nas terras da família aos 18 anos e que durante muito tempo o café foi a principal fonte de renda da propriedade. Mas na década de 70, depois da grande geada que destruiu as plantações de café em toda a região, a fazenda começou a atuar em outros segmentos, como a pecuária e o cultivo de alguns produtos. Atualmente a maior parte da fazenda está produzindo cana para as usinas da região, porém uma pequena parte da produção da cana está sendo utilizada para a fabricação de um produto genuinamente brasileiro, que a cada ano vem ganhando maior espaço no comércio internacional, a cachaça, pinga ou derivado de cana, como é conhecida em alguns mercados internacionais que já tem o nome cachaça registrado.
ORIGEM DA CACHAÇA – A cachaça é genuinamente nacional. Sua história remonta ao tempo da escravidão quando os escravos trabalhavam na produção do açúcar da cana-de-açúcar. Alguns historiadores afirmam que a origem do produto se deu no estado de São Paulo, na antiga capitania de São Vicente, porém foi em Minas Gerais que o produto ganhou qualidade e fama. O método de produção já era conhecido e consistia em se moer a cana, ferver o caldo obtido e, em seguida deixá-lo esfriar em fôrmas, obtendo a rapadura, com a qual adoçavam as bebidas.
Ocorre que, por vezes, o caldo desandava e fermentava, dando origem a um produto que era jogado fora, pois não prestava para adoçar. Alguns escravos tomavam esta bebida e, com isso, trabalhavam mais entusiasmados.
Os senhores de engenho por vezes estimulavam seus escravos, mas a Corte Portuguesa, vendo nisto uma forma de rebelião, proibia que a referida bebida fosse dada aos negros, temendo um levante.
Com o tempo a bebida foi aperfeiçoada, passando a ser filtrada e depois destilada, sendo muito apreciada em épocas de frio. O processo de fermentação com fubá de milho remonta aos primórdios do nascimento da cachaça. Existem atualmente pesquisas de fermentação com diversos produtos denominados enzimas que, aos poucos, estão substituindo o processo antigo.
A cachaça sempre viveu na clandestinidade, sendo consumida principalmente por pessoas de baixa renda e, por isso, sua imagem ficou associada a produto de má qualidade. Mas atualmente ela ascendeu a níveis nunca antes sonhados e hoje é uma bebida respeitada e apreciada mundialmente, já tendo conquistado a preferência de pessoas de alta classe e sendo servida em encontros políticos internacionais e eventos de toda espécie pelo mundo afora.
Sabendo de todo o crescimento que o mercado da cachaça vem atingindo nos últimos anos, o agricultor Ernesto teve a visão de aproveitar a grande quantidade de cana produzida na fazenda para tentar entrar em um novo mercado.
Depois disso e de muita pesquisa de André, filho de Ernesto, que conheceu os principais mercados produtores, estudou o método de produção e fez vários cursos para saber como é o comportamento do mercado, a família começou o trabalho para montar a Destilaria Vitória, que começou suas atividades em 2006. André destaca que a família está retomando uma tradição, já que na Itália no século XIX, a família Fioravanti era produtora de vinho e de grappa, na região do Vale do Veneto.
Para que o produto receba a denominação de cachaça, deve obedecer aos parâmetros estabelecidos pelo Decreto n.º 2314, de 4 de setembro de 1997, que regulamenta a padronização e classificação de bebidas.
Sendo a cachaça, caninha, cana ou aguardente de cana toda bebida que utilize a cana-de-açúcar como matéria-prima e com sua graduação alcoólica entre 38% e 54% em volume, a 20ºC, podendo ainda ser acrescida de açúcar em até seis gramas por litro, sendo que quando a adição de açúcar for superior a seis e inferior a 30 gramas por litro deve receber a denominação de cachaça adoçada, caninha adoçada ou aguardente de cana adoçada.
A aguardente de cana é a terceira bebida destilada mais consumida no mundo e a primeira no Brasil. Segundo o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça (PBDAC), a produção é em torno de 1,3 bilhão de litro por ano, sendo que cerca de 75% desse total é proveniente da fabricação industrial e 25%, da forma artesanal.
O Brasil consome quase toda a produção de cachaça; por volta de 1% a 2 %, apenas, é exportado (2,5 milhões de litros). Os principais países compradores são: Alemanha, Paraguai, Itália, Uruguai e Portugal.
A cachaça é produzida em todos os Estados brasileiros, mesmo naqueles onde o cultivo da cana-de-açúcar não é favorável. Os maiores produtores de cachaça são: São Paulo (45%), Pernambuco (12%), Ceará (11%), Rio de Janeiro (8%), Minas Gerais (8%), Goiás (8%), Paraná (4%), Paraíba (2%) e Bahia (2%), sendo os três primeiros responsáveis por quase toda produção de cachaça industrial.
A produção de cachaça artesanal ou de alambique está concentrada nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, sendo que os estados mineiro e fluminense contribuem com quase 50% de toda a produção de cachaça de alambique do Brasil.
Embora a legislação não estabeleça distinção entre os produtos finais das destilarias industriais e dos alambiques artesanais, existem, na prática, muitas diferenças entre cachaça de alambique e cachaça industrial.
As cachaças industriais são controladas por empresas e a cana-de-açúcar é cultivada em grandes áreas, enquanto a pinga artesanal é produzida em pequena escala por pequenos produtores, em sua maioria utilizando mão-de-obra familiar. Estima-se que existam por volta de 40 mil produtores de cachaça artesanal no Brasil.
O processo de produção também é diferente, pois em larga escala utiliza-se, muitas vezes, colunas de destilação e tonéis de aço-inox, há adição de produtos químicos na fermentação e não se separa a parte nobre do destilado. No processo artesanal, a destilação é feita em alambiques de cobre e a fermentação ocorre de forma natural.
A parte nobre da cachaça é separada das impurezas com o objetivo de dar mais qualidade ao produto artesanal e, por fim, vem o processo de envelhecimento em tonéis de madeira (carvalho, bálsamo, além de espécies nativas do País).
A fabricação de cachaça ocorre seguindo basicamente os mesmos processos da fabricação do etanol combustível, com diferenças nas etapas a partir de destilação.
A cana colhida é levada para a moenda para a extração do caldo, que é filtrado e vai para a dorna de decantação com o objetivo de separar impurezas, como bagacilhos, terra e areia. A diluição do caldo é o processo em que se prepara o caldo de cana para atingir o teor de sacarose entre 14 e 16 graus Brix. Isto acontece com a adição de água de boa qualidade na dorna de diluição. Ainda nesta etapa, pode-se adicionar ácido sulfúrico para evitar a contaminação do caldo por bactérias que podem produzir outros compostos prejudiciais à qualidade final da cachaça.
Na fermentação utiliza-se a levedura Saccharomyces cerevisae, comumente encontrada em supermercados e padarias. Nas pequenas fábricas de cachaça, em que não existem geladeiras para guardar o fermento, é utilizado o “fermento caipira”, fabricado pelo próprio produtor com um pouco da garapa misturada com fubá. Pode-se, também, utilizar outros materiais, como farelo de arroz, por exemplo. Na Destilaria Vitória são utilizados produtos feitos especialmente para esse fim.
Independente do fermento utilizado, esse processo deve ser concluído em aproximadamente 24 horas. O método usual para verificar o fim da fermentação é quando o caldo começa a soltar borbulhas de forma uniforme e com cheiro agradável, com leve aroma de frutas.
O produto é retirado por gravidade das dornas de fermentação e levado diretamente para a destilação nos alambiques. Na etapa de destilação, não é aproveitado o álcool inicial (cabeça) e final (calda). Utiliza-se para a comercialização somente o álcool do meio da destilação (corpo ou coração), 80% do material destilado.
Após a retirada do álcool, este é padronizado para que o teor alcoólico fique entre 38 e 54%. A partir disso, a cachaça já pode ser engarrafada ou ir para tonéis de madeira para envelhecimento. A cachaça envelhecida tem sabor e aroma mais agradável do que a cachaça recém destilada, o que lhe agrega maior valor.
O alambique em Dracena reaproveita quase tudo que é utilizado durante a cadeia produtiva da cachaça, o bagaço da cana é queimado durante o processo de destilação, a água é reaproveitada, o vapor produzido é usado para a higienização dos equipamentos e a parte produzida que não é aproveitada e transformada em etanol e usada como combustível.
Depois de pronta a cachaça é levada para grandes tonéis de madeira que ficam no barracão que anteriormente era utilizado na produção do café e só depois de descansar é que o produto é engarrafado.
O resultado é a Cachaça Catarina, que atualmente já possui todos os registros necessários para ser comercializada e em breve poderá ser encontrada em vários pontos de venda.
André destacou que a produção ainda é pequena e que o produto só é encontrado em alguns pontos de venda, até agora o que foi feito serviu para que o destilado chegasse ao seu formato final, porém apreciadores já atestaram a qualidade da cachaça dracenense, que por enquanto ainda não está sendo envelhecida. A capacidade de produção pode chegar a 180 mil litros por ano e o produtor pretende em breve começar a exportar parte da produção.
O preço do produto e a forma de comercialização variam de acordo com o tipo produzido, se industrial ou artesanal. A cachaça industrial é vendida em torno R$ 0,70 o litro na destilaria e é comercializada em larga escala, tanto no mercado interno quanto no externo. A pinga artesanal consegue um valor de, no mínimo, R$ 1,30 por litro e, dependendo da forma como é comercializada, pode chegar, em média, a R$ 4,50 a R$ 6, por litro.
Em lojas especializadas, a cachaça artesanal é vendida a preços muito altos, dependendo da marca, geralmente ultrapassando o valor de R$ 200, por uma garrafa de 700 mililitros. Ou seja, o valor agregado na produção artesanal é muito elevado, já que o consumidor adquire um produto praticamente exclusivo.
Outra forma de agregação de valor ao produto são os certificados de qualidade e os certificados socioambientais, como o orgânico e/ou o de indicação geográfica. André pretende em breve fazer o produto de modo orgânico.
Para exportação, o preço varia entre US$ 1, e US$ 2,50 o litro, é vendido no mercado internacional por US$ 20, a US$ 24, por litro. Segundo estimativas do PBDAC, espera-se que as exportações cheguem a 100 milhões de litros em dez anos, pois a qualidade da cachaça brasileira vem melhorando a cada safra e conquistando cada vez mais consumidores estrangeiros, sobretudo os europeus.
É esse o mercado que o produtor pretende conquistar em breve, com um produto genuinamente brasileiro e originário de Dracena. Potencial existe e agora o que é preciso é muito trabalho. Dessa forma novamente assim como aconteceu no início da formação da cidade a fazenda Santa Cataria irá se destacar, produzindo dessa vez não apenas a matéria prima e sim um produto finalizado e assim contribuindo para o desenvolvimento da região e para levar o nome de Dracena a lugares distantes, que passarão a conhecer a cidade que hoje completa mais um ano de vida.