Quem tem medo do clima? Horrorizado. Foi assim que o empresário Juarez Cotrim, dono da Cerâmica Luara, uma pequena olaria da cidade de Panorama, a 750 quilômetros de São Paulo, se sentiu quando soube quanto custaria tornar sua fábrica de tijolos em um negócio verde. Era início de 2006, o tema das mudanças climáticas não estava tão em evidência quanto agora, e os fornos da Luara queimavam madeira nativa da região, vendida por metro em caminhões na principal avenida da cidade de 16 mil habitantes.
Para reduzir a emissão de gases, ele investiu cerca de R$ 300 mil – do próprio bolso – para substituir os fornos tradicionais por queimadores de biomassa, feita de pó de madeira reflorestada e bagaço de cana. Teve de correr atrás dos novos fornecedores de combustível e gastou ainda mais tempo e dinheiro treinando seus funcionários. “Arrisquei alto quando decidi seguir a estratégia de produzir sem prejudicar o meio ambiente”, diz Cotrim. “Tive medo dos custos, mas decidi ir adiante, porque vi oportunidade de crescer.”
Deu certo. Com o apoio de instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae), a Luara se tornou a primeira empresa do setor de cerâmica vermelha a reduzir suas emissões. Cotrim afirma que consegue produzir hoje 30% mais tijolos com o mesmo custo de 2005. Desde 2007, ele já vendeu dois lotes de créditos de carbono no mercado internacional – e isso lhe rendeu cerca de meio milhão de reais. Cada centavo foi reinvestido na empresa, em atividades como melhorar sua eficiência energética. “Não é um caminho fácil. Até hoje, meu investimento em tecnologia limpa é alto. Mas vale a pena.”
A trajetória de Cotrim não é única. Ele faz parte de um grupo de empresas que, independentemente de seu tamanho, passaram a acreditar que poderiam ter mais vantagens do que custos com as mudanças climáticas. Essa transição é o principal resultado de uma pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), obtida com exclusividade por Época. A CNI ouviu 1.343 grandes, médios e pequenos empresários brasileiros. Os números deixam claro que, quanto maior o grau de conhecimento sobre o tema, mais o empresário vê oportunidades de negócios na tentativa de reduzir a emissão dos gases causadores de efeito estufa. Boa parte deles enviou representantes para acompanhar as negociações na Conferência do Clima, em Copenhague, a COP15.
A maior parte da indústria nacional – 65,2% – ainda se considera mal informada sobre o tema. Não importa seu tamanho. “A grande empresa ainda tem dificuldades de replicar em sua estrutura complexa todos os recursos necessários para reduzir emissões. E a pequena ainda não consegue enxergar o impacto da mudança climática no dia a dia de seu negócio”, afirma Augusto Jucá, gerente executivo de competitividade industrial da CNI.
“Não é fácil entender como o derretimento das calotas pode afetar os negócios”
Carlos Nomoto, superintendente de desenvolvimento sustentável do Santander. Ainda que o aquecimento global nunca tenha sido tão discutido quanto agora – quando a delegação brasileira na COP15 terá um número recorde de 750 integrantes -, a falta de informação entre os empresários, apontada pela CNI, não surpreende. “Trata-se de um assunto complexo, que envolve questões científicas, regulatórias, de políticas públicas e de mercado. O conhecimento real disso tudo é realmente baixo”, afirma Divaldo Rezende, diretor executivo da CantorCO2e, empresa especializada no comércio de créditos por reduções nas emissões, conhecidos como créditos de carbono. A CantorCO2e também assessorou Cotrim. “Todo mundo ouve falar sobre mudança climática, mas não é fácil entender como o derretimento das calotas polares pode afetar seu negócio”, diz Carlos Nomoto, superintendente de desenvolvimento sustentável do banco Santander. Para ajudar, o banco criou um programa que orienta seus fornecedores e clientes. Mais de mil empresas já passaram pelo curso.
De acordo com a pesquisa da CNI, os setores da economia que mais consideram “conhecer bem” o tema são limpeza e perfumaria (50%). Na outra ponta, entre os que declararam que “conhecem pouco”, estão vestuário (73,8%) e refino de petróleo (72,4%). O momento da “virada”, quando a empresa passa a conhecer melhor o tema e a enxergar que pode ter mais oportunidades de negócios, acontece de formas diferentes e depende do tamanho da empresa ou do setor em que ela atua. “Ele acontece quando a experiência de outras empresas e a pressão da opinião pública ficam latentes”, diz Nomoto.
Segundo a economista Marina Grossi, do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável, apesar de a maioria da indústria considerar não saber o suficiente sobre o assunto, há uma tendência clara de que as vantagens superam os custos. Marina destaca um grupo específico de empresas, as de grande porte, que já adotaram práticas para reduzir emissões de gases poluentes. A CNI revelou que 75,6% das grandes empresas adotaram, nos últimos dois anos, alguma medida de redução ou de controle da emissão (essa proporção cai para 47,1% entre as pequenas). Já está claro para empresas como Vale, Gerdau, Votorantim ou CSN que a economia do futuro é de baixo carbono – e que é questão de sobrevivência abrir mão de parte do lucro para se adequar à onda verde. “A mudança climática influencia diretamente o consumo do futuro. Precisamos pensar agora que produtos o mercado consumidor demandará daqui a 40 ou 50 anos”, afirma Luiz Claudio Castro, diretor de meio ambiente e desenvolvimento sustentável da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo. “Desde o computador pessoal e o celular, não víamos uma mudança de comportamento desse porte.”
ATITUDE – Cotrim em sua fábrica de tijolos com forno de biomassa (à esq.) e o trem flex da Vale (à dir.). Duas iniciativas de empresas para reduzir as emissões de gases Castro conta que mudar a estrutura de uma empresa do tamanho da Vale para reduzir emissões é um processo gradual e demorado. “Primeiro, o assunto começou a ser discutido em algumas reuniões, depois a diretoria entendeu que era preciso fazer testes e, quando alguém vê que o teste dá certo, a coisa anda”, diz. Há mais de dois anos, a Vale vem trabalhando para melhorar sua eficiência energética. Trocou equipamentos da linha de produção e substituiu o combustível de seus fornos por gás natural. O fim do uso de combustíveis fósseis é uma das principais metas da companhia. Ela até passou a usar um trem flex, que pode ser abastecido com álcool, para fazer o transporte de insumos dentro de seu sistema de locomotivas.
Em 2008, a Vale decidiu dar um passo além. Em associação com o BNDES e alguns cientistas brasileiros, criou a Vale Soluções de Energia, empresa com sede em São José dos Campos, interior de São Paulo, que tem como objetivo exclusivo desenvolver novas tecnologias para diminuir impactos climáticos. O primeiro resultado concreto da empreitada são motores pesados movidos a etanol. A produção desses motores ficará a cargo da Scania – com quem a Vale acaba de fechar um contrato -, grande fornecedora de tratores para as usinas de cana-de-açúcar. Graças a isso, elas passam a ter, segundo Castro, mais essa alternativa para eliminar do ciclo de produção do álcool o uso de combustíveis fósseis.
Boa parte da motivação da Vale e de outras grandes empresas brasileiras existe por exigência de mercado. A pressão vem de investidores mundiais, que cada vez mais dão preferência a papéis de empresas limpas. Enquanto o mercado brasileiro não tiver metas obrigatórias e uma legislação clara sobre o assunto, as iniciativas são voluntárias e, pelo menos de acordo com o levantamento da CNI, avançam de acordo com a consciência ambiental de cada um ou de acordo com a preocupação com a reputação da empresa. As principais justificativas dadas pelos entrevistados para esse tipo de medida são: cuidados com o meio ambiente (70%) e preocupação com a imagem (44%).
O setor de indústrias químicas, um dos que mais emitem gases poluentes, de acordo com a CNI, é também um dos que mais adotaram medidas de redução nos últimos dois anos (67% dos entrevistados disseram que sim).”Para nós, a questão é tão relevante que acreditamos que fazemos parte da solução do problema”, afirma Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem, grande fabricante de resinas plásticas brasileira. De acordo com Soto, a Braskem, que faz inventário de suas emissões desde 2006, emite 7,6 milhões de toneladas de carbono por ano, 10% deles neutralizados. “A Braskem enxergou há tempos que, para crescer e ganhar mercado, precisa diminuir suas emissões”, diz Soto.
Ainda que não se tenha certeza sobre a imposição de uma meta obrigatória de redução de emissão de gases poluentes pelo governo brasileiro – e apesar de reclamar da pouca informação sobre o assunto -, as empresas estão dispostas a pôr a mão no bolso para colocar em prática projetos de baixo carbono. Nos próximos dois anos, quase metade dos entrevistados da CNI diz que pretende adotar alguma medida nesse sentido. As grandes empresas aparecem de novo mais bem preparadas: 66% afirmam que investirão. O destaque fica para o setor de álcool. Setenta e cinco por cento das usinas declararam que se mexerão para reduzir emissões. “Nosso setor é um dos que terão mais ganhos do que perdas com uma eventual meta”, diz Géraldine Kutas, assessora sênior da União da Indústria da Cana, a Unica. As usinas assumiram um compromisso de, até 2014, eliminar do processo de plantio as queimadas dos canaviais nas áreas em que a colheita é mecanizada. As pequenas empresas parecem estar mais reticentes. Cerca de 45% ainda não decidiram o que fazer num futuro próximo. “Pagamos caro e assumimos todo o risco. Mas meu conselho é começar já”, diz Cotrim, da Cerâmica Luara. Seria bom não apenas para o planeta, mas também para seus próprios negócios se mais empresas ouvissem seu conselho.