Pesquisadores japoneses criaram mosquitos transgênicos que funcionam como “seringas voadoras”. Ao picar suas vítimas, os insetos injetam pequenas doses de uma vacina experimental contra a leishmaniose.
A ideia não é nova. Na década de 80, cientistas já propunham manipulação dos genes para transformar as pragas em aliadas. Agora, um artigo publicado na Insect Molecular Biology demonstrou a viabilidade técnica da estratégia.
A saliva do mosquito é um líquido sofisticado, com muitas substâncias. Algumas delas dificultam a coagulação do sangue. Outras atuam como imunossupressores. Servem para melhorar o desempenho do inseto nas suas refeições. Durante anos, os pesquisadores buscaram a melhor forma de inserir mais um ingrediente na saliva: a vacina.
“Realizamos a descoberta chave em 2005”, recorda Shigeto Yoshida, líder do trabalho realizado pela Divisão de Zoologia Médica da Universidade Jichi, no Japão. Naquele ano, os cientistas acharam um bom gatilho para disparar a produção da vacina nas glândulas salivares do inseto: o interruptor do gene que produz um anticoagulante chamado AAPP (mais informações nesta página).
Por enquanto, só um grupo de camundongos se beneficiou da descoberta. “As picadas induzem uma resposta imunológica, como na vacinação convencional, mas sem dor e sem custo”, considera Yoshida. “A exposição contínua aos mosquitos serve como reforço natural da imunidade.”
Mas Yoshida sabe que seus mosquitos transgênicos dificilmente serão lançados no ambiente para imunizar comunidades afetadas por doenças. O principal obstáculo é de natureza ética: é possível vacinar uma pessoa sem o seu consentimento?
Além disso, seria muito difícil controlar quem, de fato, foi imunizado. Mas Margareth Capurro, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, aponta outros usos para a técnica. Muitas vacinas precisam ser conservadas em baixas temperaturas, o que dificulta seu uso em regiões isoladas, normalmente as mais afetadas por doenças infecciosas. Ovos de mosquitos não apresentam tal inconveniente. Basta levá-los consigo, lançá-los em um recipiente com água e esperar que as larvas se transformem em um bom arsenal de “seringas voadoras”, já prontas com a vacina.
Margareth estuda uma estratégia análoga para combater a malária. Em vez da vacina, ela quer adicionar na saliva do mosquito um coquetel de substâncias capaz de matar o protozoário causador da doença, antes de ele ser injetado durante a picada.
A cientista brasileira já conseguiu identificar uma substância que elimina até 99% dos protozoários.
“Mas basta sobrar 1% para que o mosquito continue infectando as pessoas”, aponta Margareth, que agora busca formas de atingir 100% de eficácia.