Desilusão com a produtividade no Legislativo, o altíssimo custo das campanhas eleitorais, os financiamentos obscuros e o risco crescente de escândalos na classe política. Esses são os motivos alegados para que prestigiados senadores e deputados desistam de concorrer à reeleição este ano.

Com história política notável e alguns com votos mais do que suficientes para tentar novos mandatos, eles seguem a trilha aberta pelo ex-governador e atual presidenciável Ciro Gomes (PSB-CE) e dizem que não têm mais entusiasmo para continuar na vida parlamentar.

Na lista há nomes como os do líder do PPS na Câmara, Fernando Coruja (SC), do deputado mais votado do PSDB em 2006, Emanuel Fernandes (SP) e do secretário-geral do PT, José Eduardo Cardozo (SP).

Renovação no Congresso é normal, porque há uma dança de cadeiras entre os vários Executivos e Legislativos. Desta vez, porém, a questão não é de quantidade, mas de qualidade.

Levantamento feito pela Folha junto às lideranças partidárias aponta que cerca de 88% dos 513 deputados devem tentar a reeleição, com a expectativa de renovação de 50%, mas a bancada do “cansei” abrange quase todos os partidos, espectros ideológicos e regiões.

Uns ainda se animam com a possibilidade de ocupar funções em campanhas à Presidência ou a governos estaduais e cavar cargos executivos, onde se consideram “mais úteis”. Outros pensam em simplesmente abandonar a política.

Com os “figurões” desistindo, o temor de cientistas políticos e dos congressistas é que o espaço seja preenchido por pessoas com cada vez menos experiência e menor vocação para a política real. Deputados e senadores que já foram prefeitos e governadores podem ser substituídos por quem nunca se elegeu nem a vereador.

“A desilusão sempre existiu, mas hoje o movimento está maior e as críticas mais virulentas. E isso pode resultar em uma diminuição da qualidade política”, avalia Marcos Verlaine, analista político e assessor parlamentar do Diap.

Fernando Coruja, médico em Santa Catarina, diz que não vai disputar as eleições por se sentir “inútil”: “Parece que aqui [na Câmara] você não é importante para beneficiar o seu eleitor, cada vez menos o parlamentar tem capacidade de decisão. Me sinto mais útil exercendo a minha profissão”.

O tucano recordista de voto na Câmara, Emanuel Fernandes, também cogita não concorrer. Ele, que já foi prefeito de São José dos Campos (SP), diz que a figura do parlamentar está desacreditada: “Não decidimos coisas estruturais, que realmente têm importância”.

José Eduardo Cardozo divulgou carta no começo do mês na qual anuncia sua desistência da vida parlamentar, reclama do atual sistema político, com campanhas caríssimas e da “banalização da ideia de que todo político é desonesto”.

Vergonha

Essa banalização resulta em uma certa vergonha em ser parlamentar. Muitos que ostentavam orgulhosamente seus broches de parlamentares até há pouco tempo, agora chegam a tirá-los antes de viajar de avião para não serem hostilizados.

Figura polêmica, Ciro Gomes já foi ministro duas vezes, governador, prefeito e candidato a presidente. Em outubro, quer concorrer de novo à Presidência. Mesmo perdendo, garante que para o Congresso não volta: não gosta de passar horas discutindo sem ver resultados.

Além dele, há o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) e os deputados Roberto Magalhães (DEM-PE), Germano Bonow (DEM-RS) e Ibsen Pinheiro.

Apesar das desistências, analistas políticos acham que o índice de renovação em outubro deve ficar em 50%, como em anos anteriores. “A renovação deve permanecer no mesmo nível, mas com alguns fatores negativos: sai gente boa e entra muita gente inexperiente”, diz David Fleischer, da UnB.