Quase todo o estado de São Paulo está em situação de alerta por causa da baixa umidade do ar. Das 28 estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no estado, 21registraram um índice considerado crítico, abaixo dos 20%. Nesse contexto, como fica a situação do cortador de cana, que labora sob um sol escaldante e em temperaturas que podem chegar a 40 ºC?

Está em trâmite na Justiça do Trabalho 2 ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Bauru que pedem a suspensão imediata do corte de cana mediante condições climáticas desfavoráveis. As usinas processadas são a Nova América, de Tarumã, e Parapuã Agroindustrial, de Parapuã.

As ações pedem um controle rigoroso da exposição dos trabalhadores ao calor encontrado nas frentes de trabalho, além de uma série de regularizações relacionadas ao meio ambiente de trabalho e o pagamento de indenizações por dano moral coletivo.

O pedido principal refere-se ao monitoramento da exposição dos trabalhadores ao calor nas frentes de trabalho, seguindo como padrão os limites estabelecidos na Norma Regulamentadora nº 15, concedendo períodos de descanso ou a suspensão das atividades assim que o nível máximo do IBUTG (Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo – unidade de medida de temperatura) atingir o índice de 25, algo em torno de 37ºC. A literatura internacional reduz o IBUTG para 23 em casos nos quais o trabalhador tem de usar equipamentos de proteção, o que torna a situação ainda mais grave.

O procurador José Fernando Ruiz Maturana pede que as pausas sejam remuneradas pelas empresas com base na produção do dia, para que o trabalhador não sofra prejuízos. As paradas devem ter a duração mínima de 15 minutos.

As investigações conduzidas pelo MPT constataram que os trabalhadores que atuam nas frentes de corte de cana são submetidos a elevadas temperaturas, que chegam aos 37ºC na sombra, podendo configurar uma série de lesões graves à saúde, ou resultar em mortes por exaustão.

Aferições realizadas em indústrias da região de Avaré registraram em diversas ocasiões números acima do limite estabelecido pela NR-15, chegando a ultrapassar o índice de 30 IBUTG.

Ainda como agravante, a usinas acionadas na Justiça localizam-se em regiões próximas aos município de Oswaldo Cruz e Assis, que registraram, por meio de monitoramentos, temperaturas 5ºC mais elevadas, em média, do que as observadas próximas à Avaré.

Segundo o procurador, o cenário encontrado nas frentes de corte da Nova América e da Parapuã não preserva a integridade física dos trabalhadores, que são submetidos a longas jornadas sob o sol escaldante, o que configura o desrespeito à NR-15, que prevê um “Limite de Tolerância para Exposição ao Calor”.

Além da submissão ao calor degradante, as investigações do MPT verificaram que as empresas não respeitam uma série de regras referentes ao meio ambiente de trabalho, como o não fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI’s), não fornecimento de água potável para os trabalhadores, além de uma série de instalações irregulares que colocam a segurança dos operários em risco.

Além da suspensão do corte mediante altas temperaturas, as ações pedem o fornecimento de ferramentas adequadas para o cultivo e colheita da cana-de-açúcar, a manutenção de um sistema eficiente de primeiros socorros, a composição integral do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), o fornecimento de água potável, proteção contra intempéries, instalações sanitárias e de máquinas adequadas, exames médicos periódicos, elaboração e atualização do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) e do Programa de Prevenção de Risco Ambiental (PPRA), entre outros.

Por fim, a ação pede a condenação da Nova América e da Parapuã Agroindustrial ao pagamento, respectivamente, de R$ 2 milhões e R$ 1 milhão, por dano coletivo causado aos direitos dos trabalhadores, valor reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

“Exigir o corte de cana sob o sol forte, sem monitorar ou prevenir a exposição ao calor, atenta contra a lei e contra preceitos de dignidade humana”, observa Maturana.

A iniciativa deve se estender a outras usinas, presentes, inclusive, em diferentes estados do país, tendo em vista a existência do Programa Nacional de Erradicação no Setor Sucroalcooleiro, criado pelo MPT nacional para combater as irregularidades no segmento. Nesse contexto, a região nordeste destaca-se como prioridade, em decorrência das dificuldades encontradas na implementação do corte mecanizado.