Apesar dos vários avanços, Moçambique não deve atingir a metas de combate ao vírus HIV/aids previstas nos Objetivos do Milênio fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Temos de ser realistas e reconhecer que este objetivo dificilmente será cumprido por volta de 2015”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Oldemiro Baloi, falando à Agência Lusa, durante encontro que tratou do tema esta semana, em Nova Iorque.
Os Objetivos do Milênio foram estipulados em 2000. Deveriam ser integralmente alcançados por todos os países membros até 2015. A meta estabelecida para a saúde é a inversão da tendência de crescimento da aids, da malária e de outras doenças graves. Também fazem parte dos objetivos a redução pela metade da pobreza extrema e da fome, o estabelecimento do ensino primário universal, a promoção da igualdade de gênero, a redução em dois terços da mortalidade infantil e em 75% da mortalidade materna, a garantia de sustentabilidade ambiental e o fortalecimento de parcerias globais para o desenvolvimento.
O resultado positivo de Moçambique em alguns desses aspectos gerou comentários favoráveis do presidente norte-americano, Barak Obama, durante a assembleia da ONU. Para Obama, Moçambique, Malaui, Etiópia e Tanzânia adotaram políticas de crescimento econômico que, segundo ele, os põe em marcha mais acelerada no combate à pobreza.
Com 1,5 milhão de seus quase 22 milhões de habitantes portadores do HIV, Moçambique é um dos dez países mais afetados pela aids no mundo, com índice de prevalência de 11,5% (no Brasil, por exemplo, o índice é de 0,5%). É vizinho da África do Sul, que demorou mais de dez anos para estabelecer uma política eficaz de combate à transmissão da doença. Também faz fronteira com a Suazilândia, país que tem o maior percentual de infectados no mundo – um em cada quatro habitantes adultos, o que faz com que a expectativa de vida da população seja de apenas de 37 anos.
O coordenador do programa das Nações Unidas para o combate à síndrome (Unaids) em Moçambique é o advogado brasileiro Maurício Cysne. Cearense, está há seis anos em Maputo. Ele acha que, mesmo sem atingir a meta em 2015, o país deu passos importantes nos últimos anos. “Tendo em vista a magnitude do problema, acho que estamos num bom caminho. Em 2005 tínhamos 6 mil pessoas em tratamento. Agora são 200 mil”, informou Cysne, lembrando que 60% das moçambicanas grávidas infectadas já recebem os remédios antirretrovirais. Para o especialista da ONU, o grande desafio é conseguir mudar comportamentos de risco e massificar ainda mais o uso do preservativo nas relações sexuais.
“Os ministérios de Comunicação, Transporte e Saúde, apoiados diretamente pelas Nações Unidas, têm programas concretos nos corredores de transportes”, disse ele, para evitar que o vírus seja “carregado” por caminhoneiros, prostitutas e comerciantes que circulam pelas fronteiras com África do Sul, Suazilândia e Zimbábue, no sul do país. No norte, de forte influência muçulmana, a incidência do HIV é bem menor.
Em meio às dificuldades, é na África Subsaariana (onde vivem 70% dos infectados no mundo) que são registrados os maiores avanços na luta contra o HIV. Dados do Unaids mostram que, juntos, os 22 países que ficam ao sul do Deserto do Saara tiveram um declínio de mais de 25% nos novos casos entre 2001 e 2009. Os países mais afetados – Costa do Marfim, Nigéria, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue – foram os que registraram as maiores quedas.
Alguns recursos de prevenção, comuns em outros continentes, ainda são inatingíveis na África, por causa da pobreza e da falta de segurança alimentar. “Não existem condições de higiene ou acesso a água potável que nos permitam preconizar a suspensão do aleitamento materno para bebês de mães infectadas”, exemplifica a médica pediatra Mônica Machado, da organização não governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras. “Também não conseguimos falar em fazer partos cesariana no lugar do parto normal – dois fatores que ajudaram muito outros países a reduzir a transmissão vertical [da mãe para o bebê]”.
Por dia, 85 crianças nascem infectadas pelo HIV em Moçambique. Em muitos países, essa forma de contaminação caiu praticamente a zero. “Trabalhei por oito anos em Diadema (SP), e lá só vi isso acontecer uma vez”, lembrou Mônica. Ao olhar o quadro geral, ela se diz “esperançosa”. “É bom olhar pra trás e ver os ganhos que tivemos. Isso nos estimula a continuar lutando. Mas ainda há muito que trabalhar”, disse a pediatra.