A diversidade de compostos químicos presente nas esponjas coloca esses animais marinhos entre as mais promissoras fontes para a obtenção de produtos naturais bioativos visando à produção de novas drogas contra o câncer, de acordo com Raymond Andersen, professor do Departamento de Química e Ciências da Terra e do Oceano da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Andersen, cujo laboratório se dedica a prospectar, isolar e fazer análise estrutural e síntese de compostos extraídos de organismos marinhos, participou na última quinta-feira de um workshop sobre biodiversidade marinha realizado pelo programa Biota-Fapesp.
O cientista apresentou, durante o evento, trabalhos realizados por seu grupo sobre compostos isolados a partir de esponjas coletadas em Papua-Nova Guiné e na costa canadense. Esses compostos têm ação antimitótica – ou seja, são capazes de deter o processo de divisão celular, o que permitiria sua utilização no desenvolvimento de drogas contra o câncer.
Segundo Andersen, as esponjas marinhas são especialmente interessantes para a prospecção de compostos bioativos, pois raramente se encontra uma diversidade química tão notável em um só organismo.
“Um dos fatores que explicam essa espantosa diversidade química é que as esponjas não têm defesas físicas, mas têm cores vivas, ficam expostas e não se movem, não podendo fugir de predadores. Por isso, elas têm necessidade de defesas químicas. Acreditamos que, por serem animais muito primitivos, sejam capazes de tolerar e produzir compostos químicos especialmente exóticos”, diz o pesquisador.
A necessidade de defesa ligada à evolução, no entanto, não é a única explicação para a variedade de compostos químicos presentes nas esponjas, de acordo com Andersen. Boa parte dessa diversidade pode ser fruto da simbiose, outra característica marcante das esponjas.
“Cada vez mais, começamos a acreditar que muitos desses compostos encontrados nas esponjas são provenientes de relações simbióticas com microrganismos dos quais elas se alimentam”, afirma.
Fotos microscópicas dos tecidos de esponjas mostram a presença – no interior dos próprios tecidos ou em suas adjacências – de uma enorme quantidade de microrganismos. “Achamos que a alta tolerância das esponjas às relações simbióticas, desenvolvida ao longo da evolução, possa ser uma das explicações para que esses organismos sejam uma fonte tão rica de novos compostos químicos”, avalia.
Segundo Andersen, em comparação com outros organismos marinhos, apenas os corais moles – da ordem Alcyonacea, que não têm esqueleto calcificados – aproximam-se das esponjas com relação à riqueza de compostos químicos e metabólitos secundários.
“Mesmo assim, a química dos corais moles não tem tanta diversidade. O mais notável, no caso das esponjas, é que as classes de compostos são todas provenientes de biossintéticos diferentes. Mais uma vez, acreditamos que essa característica possa ser reflexo do fato de que boa parte desses compostos é feita por meio de simbiose, contando com a imensa diversidade de micróbios que vivem dentro das esponjas e são responsáveis pela incrível diversidade química que encontramos nelas”, explica o professor.
Dependendo do local onde uma mesma espécie de esponja é coletada, podem-se encontrar compostos químicos muito diferentes. Para Andersen, essa é mais uma evidência de que a diversidade química é proveniente da simbiose.
“Provavelmente, as esponjas que vivem em diferentes locais têm simbiose com microrganismos diferentes. De certo modo, trata-se de uma maravilhosa amplificação da biodiversidade. Se a química estivesse ligada apenas às células da esponja, provavelmente a mesma esponja teria a mesma composição em todos os lugares. Mas, como a química está relacionada à simbiose, a mesma espécie de esponja pode ter composições químicas distintas em diferentes partes do mundo, multiplicando as possibilidades de prospecção de produtos bioativos”, afirma.
O procedimento de prospecção consiste em coletar o maior número possível de esponjas e analisar, em uma fase posterior, o potencial bioativo dos compostos químicos presentes nesses poríferos.
“Em geral, já sabemos que as esponjas são uma rica fonte de compostos químicos. Então, não orientamos a busca para compostos específicos. Coletamos muitas esponjas, de modo que possamos montar uma grande biblioteca de extratos, com grande diversidade química. Aí, usando ensaios biológicos, procuramos por compostos que tenham tipos específicos de atividade biológica, como atividade antimitótica, ou a ação em um receptor específico”, explica Andersen.
Produção em escala
Depois de coletar as esponjas e obter uma grande diversidade biológica, os cientistas sabem que têm à disposição uma grande diversidade química de compostos. “Usamos, então, testes químicos para descobrir, na nossa imensa coleção de compostos, aqueles dois ou três que realmente queremos e que têm as atividades biológicas que precisamos”, diz o especialista.
O segredo para uma boa bioprospecção, segundo ele, é ter à disposição uma biblioteca química muito rica e, ao mesmo tempo, ensaios de atividade biológica que sejam muito eficientes e seletivos para os diversos tipos de compostos.
“As moléculas que procuramos devem cumprir os seguintes critérios: ter interesse teórico devido à novidade de sua biogênese – como moléculas com novos esqueletos de carbono -; mostrar atividade biológica in vitro, o que faz delas potenciais alvos para o desenvolvimento de agentes farmacêuticos; e apresentar atividades biológicas que lhes permitam ter um papel central na biologia do organismo que as produz”, explica Andersen.
Uma vez encontrada a molécula, segundo o professor da Universidade da Colúmbia Britânica, surge o principal gargalo para a fabricação de novos fármacos: a produção em escala.
“Quando se trata de esponjas, não podemos ir à natureza, coletá-las e usá-las como fonte para o desenvolvimento de drogas. Nenhuma indústria farmacêutica investiria em um composto que fosse desenvolvido exclusivamente a partir de um recurso natural desse tipo. É preciso ter uma fonte renovável. Por isso, depois de encontrar um composto que pareça realmente promissor, é preciso sintetizar a molécula e produzi-la em escala. Esse é um ponto crítico do processo, antes de partir para testes clínicos”, afirma o cientista.