Há cinco meses, E.C.O, de 17 anos, é uma abrigada de passagem na Casa de Acolhimento Andança, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Nunca tinha imaginado ir parar num abrigo. Mas com a morte de sua mãe, com quem vivia, a adolescente começou a fazer uso de drogas como cocaína e maconha, a se prostituir e a traficar para manter o vício.
“Minha mãe faleceu, meu pai não mora aqui. Eu morava sozinha na casa e comecei a usar drogas”, contou ela à Agência Brasil. Os vizinhos a denunciaram ao Conselho Tutelar, que a levou para o abrigo. Hoje, grávida, E.C.O. voltou a estudar, faz tratamento contra as drogas e espera, até o fim do ano, ir morar com sua irmã mais velha. “É o que mais quero”, diz ela.
Para que isso aconteça, a adolescente e sua irmã participam de um projeto que busca fortalecer esses vínculos familiares e prepará-las para que possam morar juntas definitivamente.
Histórias como a de E.C.O. se repetem atualmente no Brasil. Por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mutirões estão sendo realizados em todo o país para retirar crianças e adolescentes de abrigos e levá-los novamente ao convívio familiar.
“É de grande importância que as crianças voltem a morar com suas famílias. O mutirão, com essa finalidade, é muito bom. Mas temos de ter todo cuidado porque não é fácil tirar uma criança do abrigo hoje e devolver à família. São situações difíceis, já que a criança não está preparada para isso e nem a família. Dentro dos mutirões, deve haver um trabalho com as famílias”, disse Rogério Gusmão, psicólogo e atualmente coordenador do Abrigo Arco-Íris, em São Bernardo.
Em São Paulo, os mutirões tiveram início no dia 27 de julho. Em um mês de audiências concentradas (até 27 de agosto, última contabilização feita pelo Tribunal de Justiça), cerca de 27% das crianças e adolescentes que viviam em abrigos voltaram a viver com seus parentes. De acordo com o Tribunal de Justiça, 1.171 crianças participaram de audiências concentradas em todo o estado e 285 delas voltaram para suas famílias de origem, enquanto 104 foram adotadas.
Para Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança, em São Bernardo do Campo, e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), os mutirões são importantes em “situações de emergência”, já que há muitos processos atrasados e também pela necessidade de adaptação à nova Lei de Adoção, que completou um ano em agosto. No entanto, Alves acredita que o ideal seria que esse processo de retirada de crianças de abrigos fosse constante.
“O entendimento que eu tenho é que a infância brasileira não pode depender de mutirões periódicos. A atenção integral, o respeito aos próprios prazos processuais precisam ser permanentes, cotidianos”, defendeu.
A falta de estrutura do Poder Judiciário, no entanto, está impedindo que esse processo ocorra com mais frequência.”Se o nosso Judiciário tivesse estrutura para aguentar isso permanentemente, seria o ideal. Como não temos estrutura, que isso seja feito com frequência porque o importante, por melhor que seja o local de acolhimento, é tirar as crianças desses locais e colocá-las, preferencialmente, na própria família já trabalhada e já recomposta, sem aquela situação de risco que a colocou para fora de casa”, defendeu o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e da Juventude do Estado de São Paulo.
Em São Paulo, segundo a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social, existem atualmente 19.936 crianças e adolescentes sendo atendidos em casas de passagem, de acolhimento, em repúblicas ou com famílias substitutas. Há, em todo o estado, 814 serviços de acolhimento, sendo 534 deles privados e 280 públicos.