A mobilização da sociedade civil e o consenso político em torno dos temas dos direitos humanos foram fundamentais para que o Uruguai se tornasse o primeiro país da América Latina a estabelecer uma lei contra o castigo físico. A avaliação é de Dardo Rodriguez, da direção do Instituto da Criança e do Adolescente do Uruguai (Inau, na sigla em espanhol). Ele participa em Brasília da Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados (RAADH).

De acordo com Rodriguez, a aprovação da lei se deu à revelia de alguns setores da sociedade uruguaia. “Há uma ideia muito infiltrada em nossa cultura de que nós, adultos, temos direito de praticar maus-tratos se isso tem um fim educativo”, disse. Ele falou sobre o assunto à Agência Brasil depois de receber, na abertura da reunião da Comissão Permanente Iniciativa Niñ@Sur na RAADH, cópia do projeto de lei do governo brasileiro (PL 7.672 de 2010) que modifica o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e prevê possibilidade de aplicação de pena aos pais e responsáveis que castigarem fisicamente os filhos ou derem tratamento cruel ou degradante a eles. A proposta tem sido chamada de Lei da Palmada.

Para Marcelo Ventos, secretário da Associação Nacional de Organizações Não Governamentais Orientadas ao Desenvolvimento (Anong, na sigla em espanhol) do Uruguai, a questão cultural ainda é um desafio. “A lei está aí. Os textos são uma boa luz, mas as práticas são complicações que não evoluem linearmente”. Para ele, a maneira de educar os filhos é fundamental. “A família é o modo de reproduzir a sociedade. Se não há diálogo, há guerra”, acrescentou.

Alfredo Correa, representante do Comitê dos Direitos da Criança, salienta que ainda há setores na sociedade uruguaia que acham que a lei representa uma interferência do Estado na vida familiar, “como se fosse um tema privado tratado como tema público”. “A criança é uma pessoa que tem a vida própria, que pode opinar e participar da vida familiar”, disse, ao acrescentar que ainda falta sensibilizar muitas famílias e tornar a lei mais conhecida.

A posição de resistência à lei ou de aceitação tem afetado a condução da Justiça uruguaia, de acordo com Dardo Rodriguez, do Inau. “Os magistrados também são parte da sociedade. Há juízes que estão muito sensíveis ao tema dos direitos da infância e aplicam a lei, e há aqueles que tendem a pensar como os adultos de épocas anteriores e são menos duros na aplicação”. Segundo ele, não há estatística que demonstre redução da violência contra crianças e adolescentes após a aprovação da lei (no final de 2007), mas as denúncias de maus-tratos aumentaram.

No Brasil, a violência contra crianças e adolescentes lidera o ranking de denúncias ao serviço Disque 100, aos conselhos tutelares, e à rede pública de saúde e de assistência social, informou a secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen Silveira de Oliveira, que abriu a reunião da comissão permanente. O PL 7.672 de 2010, apresentado em julho deste ano pelo governo, está em análise na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados.