Após quase nove meses do início da ocupação policial permanente no Morro da Providência, no centro da cidade do Rio, os moradores do local dizem que a vida pouco mudou nesse período. A ocupação da comunidade, que é considerada a primeira favela do Rio de Janeiro, teve início em março deste ano com uma ação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) e foi consolidada com a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em abril.

Os resultados da ocupação policial são visíveis no que se refere à segurança. A reportagem da Agência Brasil percorreu ruas e vielas desde o sopé até o cume do morro sem encontrar nenhum criminoso armado, ocorrência que era comum há um ano. Os próprios moradores comemoram a chegada da polícia.

Apesar disso, a maioria das pessoas ouvidas pela Agência Brasil diz que a vida, a rotina e os problemas pouco mudaram desde a instalação da UPP. Sentada na calçada de uma travessa do Morro da Providência, uma moradora de 61 anos, que vive há 41 anos na comunidade, diz que a diferença é que agora não há tiroteios.

“Para mim, a grande diferença é que não há mais tiroteios. Nosso morro já era relativamente tranquilo. Só tinha tiroteio mesmo quando a polícia entrava para fazer operação. Na verdade, os bandidos não incomodavam muito a gente. Então, não sinto grande diferença. Além disso, ainda tem muitos usuários de crack que circulam por aqui”, disse a moradora, que não quis se identificar.

Eliana de Jesus, que vive no morro desde que nasceu, há 50 anos, concorda. “Para mim, também, a única diferença é que não há mais tiroteios. Mas fora isso, a comunidade continua a mesma, com os mesmos problemas”, conta.

Alguns moradores mostraram uma mancha escurecida no calçamento da rua. Até dias atrás, por ali corria esgoto a céu aberto, porque a rede coletora da comunidade estava entupida.

Eles contam que a Associação de Moradores entrou em contato várias vezes com as autoridades responsáveis para pedir que o problema fosse resolvido. Entretanto, nenhum dos pedidos foi atendido. Segundo eles, a rede coletora só foi desobstruída quando uma equipe de televisão foi ao local denunciar o problema. Ainda assim, quando chove, o esgoto volta a correr.

Do outro lado da comunidade, o problema é o mesmo. Numa escadaria que leva da Ladeira do Barroso até uma igrejinha no alto da favela, o esgoto desce pelos degraus, como se fosse uma cascata.

As casas também apresentam problemas. Com exceção de algumas, mais espaçosas, a maioria é caracterizada pelo tamanho reduzido, pela precariedade da edificação e pela falta de iluminação natural e ventilação. Muitas casas se amontoam sobre as outras.

É o caso do local onde mora a costureira Francisca Nascimento de Lima, 54 anos, que vive há 27 anos na favela. Ela mora de aluguel num quarto e sala na comunidade da Pedra Lisa, uma das áreas mais pobres do Morro da Providência. Em seu quarto, dormem ela, o filho excepcional, de 22 anos, e a filha de 8 anos. “O pai deles bebia muito. Preferi me separar”, conta, justificando a ausência do marido.

A costureira diz que não tem condições de morar fora da favela e que decidiu continuar morando no Morro da Providência pela proximidade com o centro da cidade. “Já tentei comprar alguma coisinha para eu morar lá fora. Mas minha renda não permite [fazer financiamento]”, disse.

Francisca estende suas roupas num varal improvisado numa rua próxima à sua casa. A casa, que fica espremida entre um paredão de rocha e outras residências, não tem nenhuma janela voltada para o exterior. Ela diz que não tem espaço, luz nem ventilação suficientes para secar as roupas dentro de casa. “Tenho medo de que roubem minhas roupas lá na rua, mas fazer o quê?”, pergunta.

Enquanto pendura as roupas no varal improvisado, ela comemora o fato de não existirem mais bandidos armados na área, mas reclama do lixo nas ruas e do vazamento de esgoto. “Só não está vazando nada agora, porque estamos sem água. Senão, você veria o esgoto correndo por aqui”, afirma.

Do outro lado do morro, a senhora de 61 anos que não quis se identificar lamenta ainda a ausência de equipamentos de saúde próximos à sua casa. “Sou hipertensa e só tem um posto de saúde aqui perto, mas você não consegue atendimento, não consegue remédio. Tem que esperar desistência [de outro paciente]”, afirma.

A dona de casa Joana D’arc Reinick, 48 anos, mora há 21 anos no Morro da Providência. Ela divide a casa com seis pessoas da família e engrossa o coro daqueles que dizem que pouca coisa mudou na comunidade. “Nossa grande carência aqui é médica. Estamos completamente isolados. Se a pessoa não tiver um plano de saúde não consegue nada. O Hospital Souza Aguiar [localizado próximo dali] só atende agora emergência mesmo”, disse.

Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, um grande projeto de urbanização do Morro da Providência está sendo licitado. Com o custo de R$ 119 milhões, o projeto prevê a construção de 264 casas para reassentar moradores de áreas de risco, sobretudo na Pedra Lisa, além do alargamento de ruas e da instalação de um teleférico e de um plano inclinado para facilitar a circulação de pessoas. Está prevista ainda a criação de uma creche para 170 crianças, de um centro esportivo e de um centro de trabalho e renda.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, a região do Morro da Providência é servida por um posto de saúde no bairro vizinho do Santo Cristo. Há projetos de construção, em 2011, de uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) no centro, que poderá atender aos moradores da comunidade, e a implantação de uma clínica de saúde da família na área.

Já a Secretaria Estadual de Assistência Social informou que tem vários projetos previstos no programa UPP Social. Entre as medidas previstas está a implantação de um centro para a juventude, no ano que vem, a regularização do fornecimento de água, a legalização de empresas, a capacitação de jovens e a coleta domiciliar de lixo.

Considerada a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência foi ocupado no final do século 19 por ex-combatentes da Guerra de Canudos. Em seu antigo nome, Morro da Favela, está a origem do substantivo usado hoje para dar nome às comunidades carentes do Brasil.