Com os olhos vermelhos de tanto chorar, Lourdes Rocha da Silva balançou a cabeça em meio ao cenário surreal de destroços, pedras gigantes e montanhas de lama que soterraram dezenas de vizinhos dela.

“Isso aqui era tudo casa”, disse, ainda em choque pelo episódio da madrugada de quarta-feira, quando uma avalanche de água e terra devastou a localidade de Campo Grande, na cidade de Teresópolis.

“Havia tantas pessoas gritando por ajuda e morrendo, mas não podíamos fazer nada. Estava escuro”, acrescentou.

A comunidade de cerca de 5 mil habitantes foi uma das mais atingidas pelas enchentes e deslizamentos que mataram mais de 500 pessoas na região serrana do Rio de Janeiro.

O número de mortos deve aumentar — e em Campo Grande é fácil ver por quê. Os moradores e equipes de resgate afirmam que muitas pessoas foram soterradas dentro de suas casas enquanto dormiam, e poderá demorar semanas para que sejam encontradas.

Embora seja impossível saber quantos morreram em Campo Grande, os moradores afirmaram que centenas de pessoas estão desaparecidas.

As pedras gigantes e os rios de lama com vários metros de espessura, que impedem a chegada de maquinário do resgate, fizeram as equipes praticamente desistir de procurar por sobreviventes.

“Quando eles escavarem essas casas, haverá apenas ossos”, disse Leandro Vabo, chefe de uma equipe médica de emergência.

Os sinais da enxurrada estão por todos os lados: há carros partidos ao meio e jogados em cima das construções, árvores no chão e casas pela metade. Num supermercado abandonado perto de Campo Grande, a lama subiu ao nível dos caixas-registradores, que continuavam a piscar.

SORTE E RACIOCÍNIO RÁPIDO

Os morros ao lado da comunidade situada num vale estão marcados de vermelho, onde a chuva intensa removeu grandes porções de terra.

Alguns moradores sobreviveram contando com a sorte e o raciocínio rápido. Centenas de pessoas cujas casas estavam no principal trajeto da lama destruidora, entretanto, praticamente não tiveram nenhuma chance.

“Algumas pessoas tentaram resgatá-las, mas elas foram levadas também”, disse o pedreiro Christian da Silva Correa, de 34 anos, fumando um cigarro nos destroços de uma casa. “Muitas pessoas boas morreram, muitas crianças.”

Na sexta-feira de manhã, a área estava em sua maior parte deserta, com a exceção de poucos moradores que voltavam para pegar roupas e documentos e vigiar os ladrões que, segundo eles, estavam de olho nas casas vazias.

Voltando para casa pela primeira vez depois da tragédia, Patrícia Almeida, de 35 anos, caiu no choro ao abraçar o seu cachorro que havia ficado na residência.

“Subimos em cima da pia e ficamos presos dentro de casa a noite inteira por força da água. Só conseguimos sair na manhã seguinte”, disse ela.

Lourdes Silva, de 51 anos, conseguiu subir no telhado com o marido, a filha e netos enquanto água e lama inundavam sua casa, que estava na beira da área mais atingida.

Ela afirmou que pessoas construíram muito perto de um riacho que corta a cidade. Atribui-se à construção ilegal em áreas de risco o alto número de mortes.

“Este é um desastre natural, mas as pessoas pioraram as coisas ao apertar o rio. Eles construíam ali porque não tinham outro lugar para morar”, afirmou.

Correa disse acreditar que o desastre era um castigo divino — um sinal do descontentamento de Deus com o ritmo veloz do desenvolvimento e das construções dos últimos anos.

“As pessoas estavam ficando ambiciosas, elas queriam demais”, disse.