Uma frase dita pelo ex-vice-presidente José Alencar durante a luta contra o câncer atingiu em cheio a classe política brasileira e, por consequência, canalizou o sentimento de milhares de cidadãos que têm uma conduta ética e moral irrepreensível em seus vidas. “Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra”, frisava ele. Essa é a avaliação de cientistas políticos da Universidade de Brasília (UnB), que durante a crise política do governo Fernando Collor fizeram estudos para tentar detectar até que ponto as denúncias de corrupção do Estado atingem diretamente o brasileiro comum.
A professora e cientista política, Lúcia Avelar, integrou esse grupo. Segundo ela, uma das conclusões dessa análise é que esse tipo de cidadão é visto, geralmente, como “uma pessoa mole, boba”, que não sabe tirar vantagens por meio de condutas nem sempre morais e éticas. Ela acrescentou que ao encarnar esse tipo de brasileiro, José Alencar personalizou o “cidadão comum”.
“Para uma pessoa honrada como José Alencar é melhor a morte do que ser desonrado”, destacou a professora da UnB. Ela destacou que tal postura não se construiu “de uma hora para outra”, mas no decorrer de toda uma vida pessoal e profissional.
Ela também avaliou a importância de Alencar na manutenção da estabilidade política do país no momento mais grave dos oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2005 e 2006, o país foi surpreendido por uma série de denúncias de corrupção e compra de votos de parlamentares, pelo governo, para que aprovassem matérias, no legislativo, de seu interesse. Ao fim dos trabalhos da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) dos Correios, 40 pessoas foram acusadas de participar do esquema, entre elas autoridades do porte do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
Lúcia Avelar ressaltou que o então vice-presidente sempre foi um “admirador e companheiro fiel do presidente Lula”. Foi com essa convicção, acrescentou ela, que José Alencar “não se deixou cair no canto da sereia” de empresários e políticos que viam nele a oportunidade assumir o poder “por se tratar de uma pessoa do setor empresarial e acharem que, com ele, seria diferente”.
Em entrevista à Agência Brasil, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, fez a mesma avaliação daquele momento político vivido por Lula. Para ele, ao se manter fiel ao presidente, Alencar preservou o governo de maiores desgastes e, com Lula, foi o maior responsável pela retomada da normalidade política no país.
O também cientista político da UnB, Ricardo Caldas, analisa que a admiração do cidadão brasileiro pela postura de José Alencar vai além de sua participação como político. Segundo ele, Alencar não construiu sua carreira na vida política e partidária mas, sim, na iniciativa privada. “Ele entrou na vida pública como um político zero quilômetro, sem cobradores”.
Outro fato a seu favor foi a disposição de luta contra uma doença, o câncer, que “é o calvário do século 21”, disse Caldas. Ao dar frequentes declarações, durante os últimos 14 anos, de fé em Deus e pedir aos brasileiros que orassem por sua saúde, o ex-vice-presidente “conquistou os corações de todos os cristãos, independente da religião de cada um”, ressaltou o cientista político.
Ao responder a um repórter sobre o eventual medo da morte e afirmar que temia mais a desonra, José Alencar trouxe, sem querer, o debate da ética à tona, disse Ricardo Caldas. “Ele, nesse aspecto, levou [para o debate] a questão da ética na política. Ao comentar sobre sua saúde, com a resposta, José Alencar atirou em uma coisa e acertou o Congresso Nacional inteiro. Caso não fosse vítima do câncer e continuasse na vida pública, seria a pessoa certa para conduzir o debate sobre a reforma política”.