Formado pela Academia Real de Arte Dramática, fundador da Companhia de Teatro Renaissance… o currículo de Kenneth Branagh transborda erudição. Nos palcos e no cinema, o ator e cineasta irlandês de 50 anos é conhecido como um expert na obra do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), por trás de filmes como “Henrique V” (1989), “Muito barulho por nada” (1993) e “Hamlet” (1996).

Mas Branagh também é pop. Fã assumido dos super-heróis criados por Stan Lee e Jack Kirby, ele foi convocado para dirigir a adaptação para o cinema de “Thor” e insinua que pode haver mais semelhanças entre as fantasias kitsch e cenários multicoloridos do filme e as intrigas e tragédias dos reis e príncipes de Shakespeare do que sonha a nossa vã filosofia.

“Há uma associação superficial que todos nós fazemos, do tipo cultura alta e baixa. Alguns pensam que histórias em quadrinhos não são literatura de verdade, só por causa da forma que são contadas: através de desenhos e letrinhas dentro de balõezinhos. Eles estão completamente enganados”, sentencia o ator e diretor em entrevista concedida ao G1 em Londres no início do mês. Confira a seguir alguns trechos:

G1 – Quem foi a primeira pessoa que você quis escalar para o filme?
Kenneth Branagh – Claro que foi o Thor. Decidimos desde o início que teria de ser alguém razoavelmente desconhecido. Sabíamos que teria de ser um ator que pudesse se preparar fisicamente e que, ao mesmo tempo, fosse bastante sensível. Após longa pesquisa, achamos o Chris Hemsworth.

G1 – Você já dirigiu e atuou em pequenas produções além de historias baseadas na obra de William Shakespeare. Realizar “Thor” foi mais difícil do que adaptar Shakespeare para o cinema?
Branagh – Foi fenomenalmente difícil. Realizar um blockbuster de verão pode ser, de alguma forma, muito mais complicado do que montar uma obscura peça em um teatro alternativo ou dirigir um filme independente.

G1 – Por quê?
Branagh – Porque há uma associação superficial, que todos nós fazemos, do tipo cultura alta e baixa. As pessoas imaginam que deve ser fácil realizar um trabalho simplesmente por que ele está relacionado aos quadrinhos. Alguns pensam que histórias em quadrinhos não são literatura de verdade, só por causa da forma que são contadas: através de desenhos e letrinhas dentro de balõezinhos. Eles estão completamente enganados. [Nos quadrinhos] A história de Thor tem 48 anos de idade. Pessoas como o fantástico artista Jack Kirby e o incrível Stan Lee inspiraram o filme. Capturar a atenção do público para um filme como este é muito difícil. As pessoas são muito exigentes. Se elas não gostam, abandonam o filme no meio e tchau.

G1 – Foi por isso que você usou a tecnologia 3D [o filme tem cópias nos dois formatos]?
Branagh – Eu queria a aventura do 3D, mas não queria filmar em 3D. Eu não sou inteligente o suficiente para isso [risos]. Você precisa de uma graduação em Física dada a complexidade que o 3D requer. Sério [risos]! Foram 18 meses para construir os créditos finais com a ajuda de uma companhia francesa que trabalhou todo aquele visual. Só para os créditos! Com o 3D, eu queria trabalhar a noção de profundidade dos cenários e achar detalhes que poderiam ser intensificados.
G1 – Como manteve a história de “Thor” conectada com a realidade? Houve inspiração de algum filme em particular para ligar um universo tão fantástico com o mundo real?
Branagh – Em termos de realidade, violência e o lado militar, eu diria que o filme “Gladiador” me impressiona bastante. Eu espero não termos roubado nada diretamente, mas o “Gladiador” tem alguma relação com este lado de “Thor”.

G1 – Qual a diferença deste “Thor” para seus antigos longas, como “Frankenstein”?
Branagh – Engraçado. “Frankenstein” foi feito exatamente antes da era digital. Lembro de perguntar ao [ator britânico] Stephen Fry o que ele fazia com aquela enorme máquina, e ele me respondeu: “Estou enviando um e-mail” [risos]! Isso foi em 1995. Claro que eu faria “Frankenstein” de uma maneira diferente se tivesse os recursos atuais e a disponibilidade financeira de “Thor”, mas tenho certeza que alguém o fará – se já não estiver fazendo.

G1 – O que quer dizer com isso?
Branagh – Aquele filme foi um grande fracasso e foi interessante sair pelo mundo promovendo-o, tendo que responder a questões duras dos jornalistas. Porém sempre lembro de um jornalista que elogiou minha ousadia em realizar o filme. Você aprende muito com o sucesso, mas muito mais com o fracasso eu diria.