Além do pagamento de horas extras acima do limite legal, a Secretaria de Transparência e Controle do Distrito Federal (DF) identificou outras irregularidades nos hospitais e unidades de saúde locais.
Em alguns hospitais, os auditores constataram, in loco, que médicos desrespeitam o revezamento dos plantões, causando “prejuízo para o atendimento dos pacientes e descaso para com a população atendida”, segundo relatório da secretaria obtido pela Rádio Nacional e ao qual a Agência Brasil teve acesso.
Na madrugada do dia 19 de novembro de 2010, três médicos estavam escalados para o plantão no Pronto-Socorro do Hospital Regional do Guará. Porém, somente um atendia os pacientes e os outros dois estavam na sala de repouso. No local, 21 pessoas aguardavam atendimento de emergência, sendo que algumas estavam lá há mais de três horas. Somente depois que a equipe de auditoria perguntou pelos dois profissionais, eles passaram a atender.
Casos semelhantes foram identificados nos hospitais da Asa Norte e da Ceilândia nos meses de outubro e dezembro passados, de acordo com o relatório, que tem mais de 60 páginas.
Os auditores também identificaram demora no atendimento de pacientes em estado grave. No Hospital da Ceilândia, por volta das 9h do dia 1º de dezembro de 2010, 13 pessoas nessa situação esperavam por atendimento. Do total, cinco aguardaram mais de cinco horas para receber os cuidados médicos. Das 6h às 12h, cinco médicos estavam escalados.
Em outros casos, foram identificados profissionais que trabalharam 30 horas consecutivas na Ceilândia, no Guará e na Asa Norte. “Esse acúmulo de horas seguidas de trabalho, além de possibilitar danos físicos e mentais ao próprio servidor, pode prejudicar a qualidade dos serviços prestados à comunidade”, diz o relatório.
No que se refere a plantões, a auditoria constatou a adoção do chamado “sobreaviso”, em que o médico não comparece ao plantão no hospital, mas fica em “estado de sobreaviso” para uma emergência.
Esse modalidade não está regulamentada pela Secretária de Saúde e, por isso, não pode ser colocada em prática.
EMBRIAGUEZ – A auditoria relata também um caso, ocorrido em setembro de 2010, em que um médico foi trabalhar no Hospital Regional da Asa Norte com sinais de embriaguez. O fato foi relatado por um enfermeiro aos chefes do plantão e do setor.
De acordo com o relatório, o médico estava cumprindo jornada extra. “A embriaguez eventual, então, constitui ato punível e não pode nem deve ser tolerada, especialmente em atividades que envolvam vidas. Constatada sua ocorrência, há de se instaurar o procedimento disciplinar adequado com vista à sanção da conduta do servidor”, diz o documento.
FALTAS INJUSTIFICADAS – A equipe atestou que servidores não compareceram ao trabalho e não justificaram a ausência, sem ter desconto no salário.
Pelo menos, 11 funcionários de dois hospitais foram enquadrados nessa situação. Seis deles faltaram, dois estavam de abono, um foi substituído, um não estava no hospital e o último estava de licença médica. Em todos os casos, não há documentos com justificativas. Nove dos 11 servidores assinaram a folha de ponto normalmente.
“Apesar de não terem sido apresentados documentos que justificassem as ausências, não houve lançamento de falta na folha de frequência e, por consequência, o desconto na remuneração”, aponta o relatório.
Foi constatada a ausência de chefes de determinadas unidades em dias e horários diferentes. No documento, a secretaria alerta que os gestores estão sujeitos à dedicação em tempo integral e podem ser convocados sempre que for necessário.
Além disso, as escalas com os nomes e horário de trabalho de cada funcionário não ficam afixadas em locais visíveis para a população, como prevê norma vigente desde 2008.
HORAS EXTRAS – O pagamento indevido de horas extras é apontado como a principal irregularidade. A partir da análise da situação de servidores, feita por amostragem, os auditores identificaram que a maioria recebeu excedente acima do limite de duas horas diárias e por mais de um ano, o que representou um aumento nas despesas mensais do governo do Distrito Federal no final do ano passado em comparação ao mesmo período de 2009.
Alguns médicos acumulam carga de 60 horas semanais, incluindo as horas extras. Em um mês, a soma do serviço extraordinário ultrapassa 400 horas extras para alguns casos. Uma servidora, por exemplo, trabalhou em média 14 horas por dia, o equivalente a 87 horas por semana.
Em outro caso apurado, uma servidora recebeu valor integral da hora extra por plantões que não fez, no mês de fevereiro de 2010, em um posto de saúde na Estrutural, uma das áreas mais pobres da capital federal.
Em agosto do ano passado, um médico cumpriu horas extras simultaneamente à sua escala normal de trabalho. Os auditores mencionam indícios de que um pequeno grupo de médicos é favorecido na elaboração da escala de serviços extraordinários. Foi identificada ainda a inclusão irregular de adicional por tempo de serviço, periculosidade, insalubridade e de gratificação à remuneração de servidores ativos.
Para conter as horas extras e outras irregularidades, a Secretaria de Transparência e Controle recomenda uma série de medidas à Secretaria de Saúde. Uma delas é a abertura de sindicância para investigar os casos.
No entanto, no próprio relatório, os auditores apontam falhas nos procedimentos disciplinares conduzidos pela Secretaria de Saúde. Segundo o documento, uma denúncia contra uma servidora acusada de rasurar a escala de serviço para esconder faltas foi arquivada por prescrição de tempo, sem que fossem analisadas as punições cabíveis.
“As situações de irregularidade descritas neste relatório poderão resultar, a princípio, na abertura de processos administrativos disciplinares. No entanto, cabe à nova gestão da Secretaria de Saúde rever os procedimentos adotados até então para a condução dos processos de sindicância, pois, verificou-se a ineficácia dos procedimentos para a conclusão desses processos e a aplicação das penas cabíveis”.
Outras recomendações são a instalação de ponto eletrônico, a vigilância permanente, melhores condições de trabalho e salariais para os médicos, além do levantamento total de horas extras pagas de maneira irregular nos últimos anos, como informou o secretário adjunto de Transparência e Controle, Dionísio Carvallhêdo Barbosa, à Agência Brasil.
Em nota, a Secretaria de Saúde do DF disse que tem adotado medidas para controlar a concessão de horas extras. Sobre as demais denúncias, a Agência Brasil aguarda resposta da secretaria.
A auditoria foi feita por amostragem de hospitais e servidores com dados do período de agosto de 2010 a janeiro de 2011. No caso das horas extras, foi verificada a situação de funcionários que receberam o maior número de excedente pelo serviço.