O Brasil pode fechar o ano com um número de casos de câncer de colo de útero muito superior aos 17,5 mil estimados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). Apesar do número alarmante, o diretor do Instituto Oncoguia, Rafael Kaliks, considera a projeção do Inca conservadora. “Existe uma variabilidade muito grande do número de casos por 100 mil habitantes entre os estados e não tem motivo para uma região ter muito maior incidência do que outra. Existem locais onde os números não estão sendo documentados de forma adequada”, afirmou o oncologista.
Kaliks destaca, por exemplo, a situação da doença na Região Norte do país, onde o câncer do colo de útero ainda é o tipo de câncer que mais mata mulheres. “É mais comum que o câncer de mama. Se pensar que se trata de um câncer que se pode prevenir e que ninguém deveria morrer por esta doença, já que com a detecção precoce existe cura, é uma tragédia permitir que esta seja a principal causa de morte por câncer na região.”
Para o diretor do instituto responsável pela divulgação de informações sobre vários tipos de câncer, apesar de todos os esforços que o governo vêm fazendo desde a década de 1990, os casos da doença estão aumentando. Kaliks elenca duas razões para o cenário estabelecido. A primeira delas é a baixa adesão das mulheres ao exame de papanicolau. “Ou o papanicolau não está sendo feito nunca ou está sendo feito de forma irregular. O segundo motivo é que mesmo que uma mulher seja diagnosticada, em determinadas regiões, até que ela seja tratada, podem se passar meses e até um ano. E, nesse período de atraso do tratamento, a doença acaba se espalhando ou se tornando intratável. Quando a mulher chega para operar ela não é mais operável e ela acaba morrendo pela doença.”
O oncologista diz ser inaceitável que uma mulher morra por esse tipo de câncer em pleno século 20 e defende a inserção da vacina contra o HPV (vírus do papiloma humano, principal responsável pelo câncer do colo de útero) no calendário de imunização da rede pública de saúde. “Se você tem cinco projetos de melhoria do rastreamento [exame e diagnóstico do vírus] ao longo de 20 anos e, apesar da implementação desses cinco projetos, a mortalidade está aumentando, você tem que ser honesto e dizer ‘vamos fazer mais alguma coisa?’”, afirmou o especialista criticando a posição do governo que ainda não incluiu a vacina no programa nacional.
“Além da educação sexual, teria o uso da vacina que diminui em 90% ou mais o risco do aparecimento de lesões pré-malignas. O governo se apoia no argumento de que não se sabe se ocorrerá redução dos casos de câncer para dizer que não está justificada a incorporação da vacinação contra HPV na rede pública. Quando o mundo inteiro está aderindo a essa vacina”, disse Kaliks.
Por outro lado, o Ministério da Saúde garante que as negociações com os laboratórios estão em andamento. “O Programa Nacional de Imunização do Brasil é um dos mais completos do mundo. Temos agora três vacinas que estão sob análise [vacina contra hepatite A, contra varicela e contra HPV]. Antes de incluir uma vacina, o Ministério da Saúde tem que fazer vários estudos porque precisamos zelar pelos recursos da área, que já são menores do que deveriam ser, e temos que ter a certeza que cada vacina vai representar um avanço na saúde das pessoas”, explicou Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde.
Pelos cálculos do ministério, hoje são gastos R$ 1,6 bilhão em todo o programa de vacinação. Os gastos com a nova vacina representariam R$ 700 milhões só no primeiro ano. “A vacina já reduziu bastante o preço porque ela foi um relativo fracasso no mundo. Essa vacina só foi implementada em cerca de 30 países. Nos Estados Unidos, a cobertura chega a 30%, ou seja, com impacto epidemiológico praticamente nenhum. É uma vacina injetável, que precisa de três doses. Não é uma bala de prata mágica que a pessoa toma uma dose e fica protegida do câncer”, disse Barbosa, alertando que, mesmo imunizadas, as mulheres precisam continuar se submetendo aos exames periódicos.
O secretário destacou que a vacina só apresentaria impactos daqui a 30 anos, já que os testes, segundo ele, mostram eficiência apenas entre meninas de 9 a 12 anos de idade. “A vacina não teria qualquer impacto sobre os casos deste ano. Se vacinar em 2012 só esperaria algum impacto a partir de 2042. A preocupação que a gente tem de ter é com a saúde da mulher. Pensar quais as barreiras que, apesar dos avanços na ampliação da cobertura, existem? Em alguns lugares é a dificuldade de acesso, algumas barreiras são culturais ou de falta de informação”, ponderou Jarbas Barbosa.
Ainda segundo o ministério, as vacinas disponíveis hoje não cobrem todos os sorotipos do HPV. “Os próprios fabricantes estão desenvolvendo vacinas de nova geração que cobririam oito a nove sorotipos. Na negociação que o Brasil já está fazendo queremos garantir que o custo seja aceitável e que, quando fizer o acordo de transferência de tecnologia, esteja garantido que vamos ter acesso a essa segunda geração de vacinas. Se não teremos uma vacina antiga que cobre menos de 70% dos sorotipos”, explicou Barbosa.