nvestigações da Polícia Federal, do Ministério Público e da Polícia Civil paulista conseguiram registrar conversas de criminosos nas quais eles ordenam e até estabelecem prazo para a execução de policiais.
“Tem um ‘salve’ para passar aqui”, diz um deles, em uma gravação. Na gíria do crime, “salve” significa um comunicado de uma quadrilha para criminosos que estão presos, e também para os que estão nas ruas. Gravações obtidas pela reportagem do Fantástico revelam que um desses “salves”, enviado em agosto passado, era para matar policiais.
“Se eles pegar (sic) um de nós, na covardia, cai dois deles.”
“Então, já era, é isso que eu gosto.(risos)”
Os criminosos dão prazo para a execução dos policiais: “Fica determinado o prazo de 10 dias para ser concluída a cobrança.”
No último dia 3 de outubro, câmeras de segurança registram a execução do soldado Fábio de Sá, em São Vicente, litoral paulista.
Segundo testemunhas, o policial Fábio Passos de Sá estava em frente a um depósito de metais quando dois homens chegaram em uma moto e efetuaram vários disparos contra ele. O PM, que não estava fardado, chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Fábio tinha 35 anos e estava há 12 na corporação.
Pela primeira vez, a mulher dele falou sobre o assassinato. “Uma pessoa honesta, trabalhadora, pai de família, indo embora só por causa de uma profissão”, disse.
Nos dois dias seguintes à morte do policial, aconteceram 11 assassinatos na Baixada Santista. Em nenhum desses, a vítima era da Polícia Militar. Os atiradores ainda não foram identificados. Investigações apuram se existe um grupo de extermínio na região, formado por policiais.
Depois dessa sequência de crimes, mais uma morte de um policial militar: no dia 7 de outubro, em Santos, a vítima foi o sargento Marcelo Fukuhara. Há cerca de um mês, segundo a família, ele se envolveu em uma operação em que três rapazes foram mortos. Na versão da polícia, houve troca de tiros.
Morte planejada
À reportagem do Fantástico, a mulher do sargento disse que bandidos foram flagrados em telefonemas planejando a morte dele. “Apareceu uma história assim: o japonês, o anjo da guarda dele é forte, mas uma hora ele vai dormir”, contou Rosana Gonçalves, viúva do sargento Fukuhara.
Ela conta que os superiores do marido sabiam das ameaças, mas nenhuma providência foi tomada. “Nunca, formalmente, meu marido foi escoltado. Eu espero que os comandantes, honrem a farda que eles vestem, que eles busquem quem tirou a vida do meu marido”, disse.
Em entrevista concedida logo após a morte do marido, Rosana afirmou que Marcelo recebia ameaças há mais de um ano e que isso já era de conhecimento do comando da Polícia Militar. Segundo ela, haveria, inclusive, uma suposta gravação entregue à polícia, logo depois de uma operação no Morro do São Bento, em Santos, comandada por Fukuhara, em que um homem dizia que o sargento iria morrer.
Nesta operação, três homens foram mortos em um suposto confronto com a Polícia Militar. Ela afirmou ainda que Marcelo apenas tinha amigos, que se preocupavam com ele. E que ninguém da Polícia Militar a tinha procurado até esta quinta-feira (11).
Um dia depois da morte do sargento Fukuhara, o alvo foi o soldado Hélio de Barros, assassinado em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, em um posto de combustíveis, onde fazia um bico. Em menos de cinco horas, num raio de dois quilômetros, outras sete pessoas foram mortas.
A Polícia Civil e a Corregedoria da Polícia Militar investigam se policiais militares estão envolvidos nas mortes de sete pessoas e na tentativa de assassinato de outras seis vítimas entre a noite do último dia 8 e a madrugada do dia 9, terça-feira passada, em Taboão da Serra e Embu das Artes.
“De um lado, tem uma maior capacidade do estado na repressão do delito. Do outro lado, infelizmente, uma resistência por parte dessa delinquência. A população pode e deve permanecer tranquila porque haverá aplicação da lei”, afirmou Márcio Elias Rosa, procurador-geral de Justiça
Escutas autorizadas
O Ministério Público e as polícias Civil e Federal investigam a facção que age dentro e fora dos presídios paulistas. Em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, integrantes desse bando declaram guerra contra a PM. Foi em uma conferência, com vários criminosos, em agosto passado.
Um suspeito de chefiar a quadrilha do lado de fora das cadeias lê uma mensagem: “Em cima das execuções covardes, realizadas pelos policiais militares, partindo diretamente da Rota, a resposta será à altura, pois sangue derramado se cobra do mesmo modo”.
Antes desse “salve” geral, a ação da Rota com o maior número de mortes este ano tinha acontecido em maio, na Zona Leste de São Paulo: seis homens morreram, segundo a versão da polícia, em uma troca de tiros.
Mas uma testemunha disse ter presenciado um desses suspeitos levar chutes e ser executado. Três policiais estão presos, acusados dessa morte. “O que nós devemos fazer é investigar, identificar, prender, processar essas pessoas, e não matá-las”, declarou o promotor de Justiça Roberto Wider.
A mensagem da quadrilha tem a matemática do crime. A cada comparsa morto – chamado de “irmão” -, dois policiais devem ser executados. “A partir dessa data, 8/8/2012, foi determinado como missão cobrar a morte do irmão à altura, executando dois policiais da mesma corporação que cometeu o ato da covardia”, diz um criminoso.
E se o prazo de 10 dias para matar os pms não for cumprido… “Caso não for tomada atitude nesse prazo e cobrada a morte do irmão, caberá punição rígida. Boa sorte para todos.”
Tenebroso
As escutas telefônicas indicam que a ordem para executar policiais militares tem que ser repassada para o maior número possível de criminosos, em várias partes do estado:
“49 já pegou(sic) o salve.”
“Entendeu tudo. O salve é tenebroso, velho.”
Mês passado, em Santo André, no ABC, a polícia encontrou explosivos com dois integrantes da quadrilha. Eles levavam este outro comunicado: “Tem que matar os ‘botas’. Deve usar bombas e armas pesadas. Sem dó”. Bota significa policial militar.
“A diligência foi realizada pela Polícia Militar. Isso foi encaminhado para Polícia Civil, foi lavrado o flagrante. As duas corporações da polícia têm conhecimento desse recado da facção criminosa”, disse o promotor Roberto Wider.
Segundo as investigações, um grupo de criminosos obedeceu as ordens da quadrilha e matou dois policiais do interior do estado, em setembro.
Os assassinos falam em código:
“Você sabe se o pessoal de Araraquara, o irmão lá, alugou a casa?”
“Não.”
Policiais federais, policiais civis e promotores que escutaram mais de 100 horas de gravações não têm duvida: “alugar uma casa” quer dizer “matar um policial”.
De acordo com as investigações, em 13 de setembro, um criminoso da região de Araraquara avisou que a morte de um policial estava próxima:
“O pessoal falou que entre hoje e amanhã, vai alugar.”
“Fechou.”
No dia 14 de setembro, em São Carlos, o soldado Marco Aurélio de Santi foi assassinado. No dia seguinte, na vizinha Araraquara, bandidos executaram o sargento Adriano Simões da Silva.
Segundo as investigações, os assassinatos foram confirmados por telefone:
“A casa foi alugada mesmo?”
“Foi, foi.”
Crime organizado
A reportagem do Fantástico procurou o Governo do Estado e a Secretaria de Segurança Pública para falar sobre essas gravações, mas eles não quiseram se pronunciar. Durante a semana, o governador e o secretário deram entrevistas sobre a recente onda de violência.
“Fica muito cômodo debitar tudo a uma facção criminosa, mas na realidade o crime é muito bem organizado. E nós estamos combatendo e isso está causando uma série de preocupação para eles e há essa revolta. Há um oportunismo. Pode fazer acerto de contas e debitar na polícia esse momento que estamos passando”, afirmou o secretário da Segurança Pública,Antonio Ferreira Pinto.
“Morte de policiais é uma forma do crime intimidar o Estado. E o Estado não vai ser intimidado”, declarou o governador Geraldo Alckmin.
Cinco mil policiais que trabalhavam em serviços burocráticos ou estavam participando de cursos foram para ruas do Estado de São Paulo para reforçar a segurança.
A família de uma mulher casada com um policial adotou medidas para se proteger. “A gente não pode mais sair com os filhos, que está propenso a gente ser alvejado por esses criminosos. A gente não pode falar que o nosso esposo é policial. a gente vive escondido”, disse.
Fantástico: “E ele pensa em abandonar a profissão?”
R – “Não. Não pensa. Mesmo indignado, ele vai continuar.”