O jogo mudou. Se no passado, com o nível de desemprego nas alturas, o trabalhador tinha de aceitar qualquer proposta, hoje em dia é ele quem dá as cartas nas negociações trabalhistas. Sem acordo, podem ficar semanas de braços cruzados até conseguir melhorar os benefícios. É o que tem ocorrido nos três maiores projetos em construção no Brasil: Hidrelétrica de Belo Monte, Refinaria Abreu e Lima e Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Juntas, as obras somam quase meio ano de paralisação desde o início das atividades.
O campeão de greves é o Comperj. Entre novembro de 2011 e maio deste ano, os trabalhadores do empreendimento ficaram 82 dias parados – sendo 58 deles este ano, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon). Na Abreu e Lima, também chamada de Rnest, foram 71 dias desde 2010; e em Belo Monte, cujas obras começaram no ano passado, 16 dias. A estratégia dos trabalhadores tem surtido efeito.
Além de reajustes salariais bem acima da inflação, eles conseguiram turbinar os benefícios concedidos pelas empresas. O valor da cesta básica, por exemplo, foi o item que mais cresceu nas três obras. Na refinaria, aumentou 940% em quatro anos, de R$ 25 para R$ 260. Mas, nesse item, quem paga melhor é o Comperj: R$ 300. Em Belo Monte, os valor subiu 110% em um ano e meio de atividades, para R$ 200.
“Num ambiente como o atual, em que há escassez de mão de obra, o trabalhador vive num céu de brigadeiro”, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP), José Pastore, especialista em relações de trabalho. Segundo ele, a situação é mais favorável nas obras localizadas em áreas distantes e inóspitas. Nesses casos, o trabalhador fica isolado nos canteiros de obras, longe da família e sem acesso a serviços e entretenimento.
Pastore comenta que muitas empresas o têm procurado para ensinar os profissionais de Recursos Humanos a negociar. “Mas não adianta treinamento. Hoje em dia os trabalhadores conseguem tudo o que pedem. O quadro virou”, afirma o professor. Nas três obras, os reajustes salariais da data base atual ficaram na casa de 11%.
Em Belo Monte, eles conseguiram reduzir de 180 dias para 90 dias o tempo para visitar a família; na Refinaria Abreu e Lima, de 120 para 90 dias. “Há uma mudança na formação dos trabalhadores da construção. Antes tinha baixo valor social. Hoje eles precisam ter maior qualificação profissional e absorver alta tecnologia”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Pesada e Montagem Industrial da Bahia (Sintepav), Adalberto Galvão.
Ele explica que, além de maior cultura sindical, os trabalhadores de agora têm maior grau de escolaridade e estão conectados a informações de todo o País. Na prática, isso significa maior rotatividade. Se veem uma oportunidade melhor, com cesta de benefícios melhor, não hesitam e trocam de emprego, diz Galvão.
Pacote. “O governo lançou um pacote de obras importantes, mas não olhou para o desenvolvimento social do trabalhador. O teto de proteção social e os benefícios não estavam sendo concedidos na mesma velocidade que do lucro das empresas.” Galvão explica que o trabalhador que tem mais consciência vai fazer grandes mobilizações exigindo que a riqueza seja distribuída.
O problema é que nem sempre as paralisações são pacíficas, a exemplo do que ocorreu em Belo Monte e no Comperj. Com milhares de trabalhadores em campo, as centrais sindicais não têm conseguido controlar os ânimos dos grupos, que acabam destruindo o que veem pela frente: ônibus, máquinas, equipamentos ou o próprio alojamento.
A situação ficou tão preocupante que, logo após os primeiros episódios de violência nos canteiros de obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, o governo federal decidiu criar o Compromisso Nacional para Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção – que envolve os trabalhadores e as empresas. A ideia é criar um pacto para evitar novos conflitos.
O presidente do Sinicon, Rodolpho Tourinho, conta que durante 11 meses foram discutidas uma série de medidas para melhorar o ambiente de trabalho e intermediar futuras paralisações. Foram definidos seis compromissos: contratação de mão de obra pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine), eliminando os famosos gatos (aliciador de mão de obra); qualificação; saúde e segurança; ambiente seguro e saudável para o trabalhador; relações com a comunidade, com compensações sociais; e representação sindical no local. Os empreendedores precisam aderir ao compromisso.
“O objetivo é criar uma mesa permanente de discussão. Se há algum movimento de greve e não se chega a um acordo, um grupo de trabalho é acionado para apaziguar a situação”, diz Tourinho. Mas as centrais sindicais reclamam que o acordo não está funcionando. “Vai haver muita confusão nas obras do PAC em 2013”, diz Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical. “Assinamos o convênio e mesmo assim os trabalhadores continuam sendo maltratados”, argumenta o sindicalista.