Condenado a sete anos e dez meses de prisão no julgamento do mensalão, o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) quer receber do Supremo Tribunal Federal o mesmo tratamento que o publicitário Duda Mendonça, que também recebeu dinheiro do esquema, mas acabou absolvido pelo STF.
Para o advogado Nilo Batista, recentemente incorporado à defesa de Valdemar, o Supremo não levou em conta provas que poderiam ter beneficiado seu cliente e agiu diferentemente ao analisar o caso de Duda.
O STF concluiu que Duda fez um acordo com o PT na campanha eleitoral de 2002 e recebeu como pagamento dinheiro sem origem declarada, mas não incorreu em corrupção passiva ou lavagem de dinheiro. Como publicitário, tinha dívida a receber.
No caso de Valdemar, seu partido fez um acordo com o PT numa reunião em junho de 2002, que foi noticiada pela “Folha”, em que se decidiu que a legenda teria direito a compartilhar o caixa eleitoral com os petistas em troca do apoio à campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. O dinheiro só foi repassado mais tarde, após a posse de Lula.
O argumento de Nilo Batista, em entrevista ao “Poder e Política”, programa da Folha e do UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha), é que há uma contradição entre o tratamento recebido por Valdemar do STF e o que Duda mereceu.
O publicitário foi absolvido porque, para a maioria dos ministros do STF, ele não sabia da origem ilícita do dinheiro que recebeu e cumpriu todas as exigências legais da época ao movimentar os recursos no exterior.
Valdemar foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os ministros do STF concluíram que o dinheiro do mensalão foi repassado a ele para comprar o apoio do seu partido no Congresso – e não para quitar dívidas da campanha de 2002.
Em recurso apresentado ao STF, Nilo Batista pede que os ministros voltem a considerar os testemunhos sobre o encontro em que o acordo de Valdemar com o PT foi selado, e que seriam favoráveis à tese da defesa.
Nilo Batista deseja enfatizar a contradição entre os casos de Valdemar e Duda. “E a prova disso está na absolvição do Duda Mendonça, que o Tribunal reconheceu que era um credor e, tendo em vista que ele estava exercendo um direito legítimo de receber, já que ele era credor. Ocorre que também o deputado Valdemar Costa Neto, também o PL, era um credor. Era um credor por declaração de vontade”.
“O acórdão tinha que afirmar que houve, ou não houve, aquela reunião. E que, tendo havido aquela reunião, ela tem consequências jurídicas. O PL [hoje PR] vira credor do PT. Se o Tribunal declara isso, surge uma contradição enorme: por que um credor, quando é publicitário, é absolvido e um credor, quando é deputado [não]?”, pergunta o advogado.
Nilo Batista, 69 anos, foi vice-governador do Rio nos anos 80, quando Leonel Brizola (1922-2004) era o governador fluminense. Filiado ao PDT até 2006, decidiu desligar-se da vida partidária. Dedica-se agora apenas à advocacia. Nesta semana, pretende finalizar o trabalho de entregar pessoalmente a todos os ministros do STF seus argumentos de defesa para o deputado Valdemar.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha/UOL – a defesa do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) alegou no julgamento do mensalão que ele era credor do PT. Esse argumento não foi levado em conta pelo STF. Agora, no embargo de declaração, o sr. volta a usar esse argumento. Por que o STF poderia considerá-lo agora?
Nilo Batista – Os procedimentos não foram pensados para um coletivo de acusados. Todo o processo que envolve muitos acusados apresenta problemas especiais para o Tribunal. A complexidade, a extensão da prova… Então, é perfeitamente compreensível que aspectos às vezes cruciais da prova sejam ignorados. Isso aconteceu. O fato é que em 2002… E a Folha noticiou nessa edição de 21 de julho de 2002 este acordo pelo qual iria ser feito uma caixa de campanha de R$ 40 milhões e 25%, ou seja, R$ 10 milhões, o PT repassaria para o PL.
E por quê? O motivo disso também acho que você se recorda. Havia verticalização. O PT queria um vice do PL para ampliar. Só que, por conta da verticalização, isso criaria -como criou- inúmeros problemas para o PL em vários Estados da Federação. Imagine os financiadores tradicionais do PL ao serem informados de que teriam que baixar com o PT. Muitos se recusariam. Por conta disso, houve uma reunião aqui em Brasília, no apartamento do deputado Paulo Rocha, com a presença do futuro presidente Lula, do futuro [vice] presidente José de Alencar, que era, digamos, a noiva dessa aliança política, o deputado Valdemar Costa Neto, que era presidente do PL, o deputado José Dirceu, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, o próprio Paulo Rocha e outros. Nessa reunião, o PT assumiu esse compromisso. Ela tem uma prova: foi noticiada pela Folha. Ela está no livro do Ricardo Kotscho. Ela está em revistas semanais.
Só que o Supremo Tribunal Federal não se pronunciou sobre a existência dessa reunião e as suas consequências jurídicas. Não se pronunciou. Lateralmente, o acórdão menciona que a denúncia do processo menciona 3 ou 4 vezes um acordo político financeiro entre o PT de o PL. Nas alegações finais da defesa têm 25 páginas demonstrando isso. Mas, nas alegações finais do Ministério Público Federal, desaparece aquilo que a denúncia dele mesmo, Ministério Público Federal, chamava de acordo político financeiro.
Se o acordo foi feito e se posteriormente, no pagamento desse acordo, houve uso de dinheiro ilícito, dinheiro de corrupção, o receptador de dinheiro, nesse caso PR, antigo PL, e Valdemar Costa Neto não são agentes passivos dessa corrupção?
Não. Certamente não. E a prova disso está na absolvição do Duda Mendonça, que o Tribunal reconheceu que era um credor, e, tendo em vista que ele estava exercendo um direito legítimo de receber, já que ele era credor. Ocorre que também o deputado Valdemar Costa Neto, também o PL, era um credor. Era um credor por declaração de vontade.
Mas, no caso de Duda Mendonça, é um fato que é um acordo fora da esfera política. Ele era um prestador de serviços. No caso, um publicitário, um marqueteiro. Prestou serviços. Os serviços podem ser comprovados porque as propagandas apareceram na televisão e no rádio e ele recebeu por isso. No caso de Valdemar Costa Neto, ele não é um prestador de serviço…
Sim, mas ele era um credor. Tanto que não há nenhuma lei. Nenhum dispositivo do Código Eleitoral proíbe. Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado. Digamos, uma cessão, um empréstimo, uma doação de recursos de uma agremiação política para outra não é vedado pela lei e vai seguir as diretrizes do Código Civil.
Mas, ainda assim, durante o julgamento, a defesa, quando o sr. ainda não participava da defesa de Valdemar Costa Neto, esgrimiu esse argumento do acordo político. Não obstante, os ministros do Supremo, por maioria, acharam por bem não considerar o argumento. Por que agora eles deveriam considerar?
Porque o problema é factual. Houve ou não aquela reunião? Naquela reunião, houve uma explícita manifestação de vontade do PT de que desejava pagar e, portanto, se fez devedor. R$ 10 milhões para auxiliá-lo, não só nas despesas, nas perdas que essa aliança insólita, do ponto de vista estritamente político-programático iria produzir nas bases mais conservadoras do PL com relação as do PT. Então, nisto ele é um credor tanto quanto o Duda.
Embora não exista um produto oferecido no caso como no caso de Duda?
Como não? Foi oferecida a adesão de um partido à uma campanha do outro, um compromisso.
É um produto de outra natureza…
Não. Mas não é um produto. Isso é uma relação civil. Para que José Alencar pudesse, ali, estar no governo, acutilando um pouquinho o capital financeiro ali, enfim. Para que houvesse aquilo, era preciso sustentar uma campanha nacional dentro um pouco da informalidade que ainda rege. Já que não temos financiamento publico, temos sempre essa coisa. Então, isso aconteceu. Então, isso é verdadeiro.
A resposta que o STF tem que dar é o seguinte: houve aquela reunião? Isso não está. Não se menciona. Ou então, se houve a reunião e se, reconhecendo que, naquela reunião, o PT se comprometeu a doar R$ 10 milhões ao PL, isso institui o PL como credor.
Ou seja, no direito civil brasileiro, a manifestação de vontade gera obrigação? A única resposta é sim. Eu anexei um parecer do catedrático de Direito Civil da UERJ, do prof. Gustavo Tepedino, e é evidente que sim.
Mas eu volto a perguntar: Por que os ministros, na sua opinião, poderiam considerar isso agora se não consideraram antes?
Num ato de prestidigitação, a existência dessa reunião desapareceu das alegações finais do Ministério Público. Estava o acordo político chamado exatamente, entre aspas, “acordo político-financeiro”. Ele estava na denúncia 3 ou 4 vezes. Ele desaparece das alegações finais. Talvez, na procuradoria estando, se deram conta do perigo que representava para a hipótese acusatória quanto ao deputado Valdemar Costa Neto a sua posição, a posição do PL, de credor. O acórdão não se pronunciou sobre a existência.
O que eu estou pedindo -embargos declaratórios são exatamente para isso- é porque em um julgamento com essa extensão, com uma prova com essa magnitude, com essa complexidade, é inevitável que em alguns pontos sejam, enfim, desconsiderados ou se passe por cima. A verdade é que o acórdão, que nós examinamos meticulosamente com lupa, tangencia, menciona às vezes, mas não afirma “houve” ou “não houve”. O que eu estou pedindo ao Tribunal é o seguinte: houve ou não houve? Se houve, houve uma declaração de vontade.
Aí está suprida a omissão. Instaura-se uma contradição séria entre os fundamentos.
Eu pude pegar nos embargos trechos que se referiam ao Duda Mendonça e dizer: “Isso poderia ser dito do deputado. Exatamente isso”.
O deputado Valdemar Costa Neto recebeu esse dinheiro e a origem dele inclui o publicitário e o empresário Marcos Valério, certo? As empresas do publicitário?
Eu lhe pergunto o seguinte: Se há, conforme o Tribunal decidiu, alguma coisa de errado na obtenção desses recursos, você vai presumir que o credor que está recebendo saiba? Presumiram que o Duda soubesse? Por que o Duda foi absolvido? O seu argumento não comoveu o Tribunal para ele condenar o Duda e, a meu ver, acertadamente. Foi bem absolvido.
Agora, na hipótese não pouco plausível a esta altura de que tudo seja mantido -Duda Mendonça absolvido e Valdemar Costa Neto condenado- seria um erro? O sr. está dizendo que o Supremo cometeu um erro?
Eu acho. Enfim, um grande ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Hungria -que foi também um grande professor de direito penal e que honrou como os presidentes-ministros também honram o Tribunal- disse uma vez que o Supremo tinha o privilégio de errar por último. O Supremo é um tribunal humano constituído de humanos. E, no caso, não é propriamente um erro. O processo tem mais de 600 volumes.
Especialmente por causa do lance de prestidigitação da Procuradoria Geral da República, que fez desaparecer esse assunto do debate. Isto terá, enfim, induzido, deixado desprevenido.
É que o argumento da Procuradoria Geral da República era que o dinheiro que foi pago, inclusive para o PR e para o deputado Valdemar, era para comprar apoio político do Congresso nas votações que se davam ali no Congresso durante o início do governo Lula…
É exatamente esse argumento que me parece que fica muito fraco quando tenho uma obrigação que foi criada quase um ano antes. Ainda não havia nenhuma reforma da Previdência. O deputado nem sabia se ia se eleger e nem se Lula [iria ser eleito]. Estou falando de um acontecimento, de uma obrigação que foi constituída em junho de 2002. Aí era preciso ser profeta.
Em junho de 2002, quando foi anunciado esse acordo entre o PT e o então PL, foi uma venda de apoio político. Um partido foi para o outro e falou: “Olha, eu preciso de dinheiro. Você me dá dinheiro e eu te apoio”. Essa venda de apoio político de forma tão explícita é um crime?
Não. Eu acho que a expressão “venda” não abrange todos os aspectos. Foi uma composição que tinha a justificar essa operação, essa doação, o fato de que o PL ia perder bases locais estaduais. Você imagina no Brasil profundo quando alguém disse lá para o fazendeiro, velho financiador do PL, que agora ele teria que marchar com o PT? Então, o PL tinha motivos fundados para temer a cláusula de barreira [regra que vigorava à época, obrigando os partidos a replicarem nos Estados suas alianças no plano federal]. Então, “venda” é uma palavra muito dura. Isso foi um entendimento no qual a agremiação que dá o vice-presidente ia perder apoio político e financiamento de campanha e precisava ter isto.
Em resumo, o sr. considera que o STF de maneira indevida desconsiderou o acordo político e agora deveria considerar tal acordo entre os dois partidos, PR (ex-PL) e PT? É isso?
O STF não desconsiderou, ele omitiu…
Então, omitiu?
Omitiu.
Mas de maneira inadvertida não foi…
Pode ter sido, perfeitamente.
O sr. acha que foi de maneira inadvertida?
O Ministério Público desapareceu. Esse fato desaparece das alegações do Ministério Público.
Mas os advogados à época do julgamento, defendendo Valdemar da Costa Neto, falavam sobre tudo isso…
Pois é. Mas o Ministério Público omitiu isso.
Mas qualquer ministro [do STF] poderia ter levado em conta…
Poderia, mas não foi chamado, o assunto não foi colocado. De alguma forma, o assunto não foi colocado no centro de uma discussão. O acórdão tinha que fazer uma coisa, tinha que afirmar que houve, ou não houve, aquela reunião. E que, tendo havido aquela reunião, ela tem consequências jurídicas. O PL vira credor do PT. E, se virou PT, se o Tribunal declara isso, surge uma contradição enorme. Por que um credor, quando é publicitário, é absolvido e um credor, quando é deputado [não]…
Esse exame vai ter que ser feito.
Ou seja: a sua demanda é para que o Supremo se manifeste e diga se houve ou não houve o encontro? E, se houve, qual é a consequência jurídica?
Se houve o encontro, pelo direito privado brasileiro, pelo Código Civil, o PL era credor.
O contra-argumento é que durante as votações que ocorreram durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula houve uma demonstração de apoio do PL, depois PR, e por conta desse apoio é que os pagamentos foram realizados…
Não. Por que isso? Os pagamentos foram realizados em fevereiro. Como é que está recebendo em fevereiro, nem tinha o debate… Dez meses antes da reforma, nove meses.
Sim, mas eles foram ao longo desse período a partir de fevereiro.
Por que começou a receber primeiro?
Para poder pagar em votações a favor [do governo] no Congresso depois…
Então você tem que me dizer qual votação estava sendo paga em fevereiro. É uma visão, assim, conspiratória para a qual não se tem nenhuma base. Isso aí é uma fantasia. Isso não tem base em prova nenhuma.
Mas quando terminaram de ser feitos os pagamentos? Começaram em fevereiro, mas terminaram muito depois.
Muito depois. Sim, claro.
Pois é. Ao longo das votações.
Não, a votação é um episódio no meio. Por que tem uma relação uma coisa com a outra e não tem relação com o débito? Por que trocamos?
Acesse a transcrição completa da entrevista
A seguir, vídeos da entrevista (rodam em smartphones e tablets):
1) Quem é Nilo Batista? (1:24);
2) STF omitiu provas sobre Valdemar, diz Nilo Batista (2:20);
3) R$ 10 mi serviram para Alencar apoiar Lula, diz Nilo (2:08);
4) Se Duda é inocente, Valdemar é também, diz advogado (1:13);
5) STF deve confirmar se houve ou não acordo, diz Nilo (1:13);
6) Nilo: Se STF aceitar embargos, OEA é desnecessária (2:40);
7) Nilo: Joaquim não pode relatar embargos infringentes (1:24);
8) Na OAB, alguns tratam tortura como enólogos, diz Nilo (1:49);