A seleção brasileira enfrenta a França neste domingo, em Porto Alegre, em mais um capítulo de uma rivalidade marcada por desilusões nacionais em Copas do Mundo. Uma delas, no México em 1986, teve o goleiro Carlos como um dos personagens, marcado por um lance de azar que poderia ter mudado o desfecho do eletrizante duelo de quartas de final em Guadalajara. Hoje, 27 anos depois, o ex-camisa 1 diz que não se apega às memórias da bola que bateu na trave e nas suas costas antes de entrar. Mas mesmo assim segue explicando o incidente.
Carlos afirma que costuma ser abordado por torcedores para falar sobre o lance. O ex-jogador relata que eventualmente também é procurado por jornalistas estrangeiros para lembrar do histórico jogo com a França no estádio Jalisco.
“Lembranças e recordações, eu tenho, sim. Mas são coisas que eu não me apego muito. Já faz um longo tempo, distante, na minha vida sobra pouco espaço para ficar lembrando. Às vezes as coisas vêm, nas perguntas das pessoas, curiosidades”, declarou Carlos em entrevista ao UOL Esporte.
O célebre lance aconteceu nas disputas de pênaltis, após o empate por 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação. Carlos acertou o canto no violento disparo de Bruno Bellone, mas, com o rebote nas costas, acabou contribuindo involuntariamente para o gol francês. O ídolo Michel Platini mandou sua cobrança para a arquibancada, mas os “Bleus” avançaram mesmo assim, graças a chutes infelizes dos brasileiros Sócrates e Julio César [Zico havia desperdiçado um pênalti antes, nos 90 minutos].
Apesar de seguir no universo do futebol, hoje como preparador de goleiros nas categorias de base do São Paulo, Carlos raramente é visto na mídia. O clube recebe frequentes pedidos de entrevista, a maioria delas vindas de fora, de veículos de imprensa de Itália e França, por exemplo, sequiosos por histórias de 1986. Mas boa parte deles é rejeitado. O ex-jogador diz que prefere manter uma conduta de discrição, em tempos em que boleiros aposentados aparecem a todo momento para comentar a atualidade esportiva.
O atual preparador de goleiros da base são-paulina foi um dos responsáveis pela formação de Dênis na Ponte Preta, hoje reserva do elenco profissional tricolor. Carlos diz ver potencial no antigo pupilo para a responsabilidade de transição de Rogério Ceni, ídolo próximo da aposentadoria.
Na conversa com o UOL Esporte, Carlos ainda falou sobre outras lembranças da carreira, como a final do Paulistão de 1977, pela Ponte, em que disse recordar que era quase impossível evitar o título do Corinthians, “dentro e fora de campo”. Confira abaixo o bate-papo com o goleiro brasileiro da Copa de 1986:
SOBRE O LANCE DE AZAR CONTRA A FRANÇA
(Carlos chegou invicto ao jogo com a França, mas foi finalmente vazado no tempo normal, por Platini)
“Lembranças e recordações, eu tenho, sim. Mas são coisas que eu não me apego muito. Já faz um longo tempo, distante, na minha vida sobra pouco espaço para ficar lembrando. Às vezes as coisas vêm, nas perguntas das pessoas, curiosidades.”
“Existiu esse lance pouco comum, ainda mais se tratando de uma Copa do Mundo. Se torna algo com uma certa relevância. Às vezes tem pessoas que passam e brincam, falando: ‘por que você foi para aquele canto lá?’ São coisas que acontecem, mas foi um momento marcante.”
“O ano passado teve um pessoal de uma emissora francesa. A gente estava relembrando, mas eu pouco recordo quem bateu, quem não bateu, qual foi o pênalti, a sequência. Me recordo do pênalti que bateu na trave e a bola voltou em mim, o Platini que errou. O que achei interessante nessa entrevista é que contaram que o rapaz francês (Bellone) estava extremamente nervoso, que fechou o olho e bateu com força sem saber a direção.”
HISTÓRICA FINAL COM O CORINTHIANS EM 1977
(Carlos sofreu o gol de Basílio, no Paulistão, que decretou o fim do jejum corintiano de 23 anos sem títulos)
“Evitar a conquista do Corinthians era muito difícil por toda a situação que envolveu a decisão. Se tornava algo muito mais difícil do que era normalmente. A disputa não era só no campo, envolvia muitas outras coisas que não davam para entender. A possibilidade de a Ponte Preta conquistar o título era muito pequena, embora a equipe até tivesse uma superioridade técnica em relação ao Corinthians. A tendência era toda para o Corinthians ser campeão. A gente tentou, mas as forças foram maiores do que as nossas.”
“Aí você vai perguntar para mim: qual? É tanta coisa. Envolveu tudo que você possa imaginar, bastidores. Todas as dificuldades possíveis foram para o lado da Ponte Preta. Fator campo, tudo desfavorável. A luta é inglória.”
QUEM SERÁ O SUBSTITUTO DE CENI?
“Eu acho interessante no São Paulo a condição que ele criou, esse personagem do Rogério Ceni goleiro, dificilmente você encontrará uma grandiosidade nessa posição de goleiro dentro de um clube. É raro, esta é a verdade. O goleiro que o substituirá nunca será igual a ele, o personagem é único. As pessoas têm que entender. Por um bom período ficará essa imagem do Rogério. Não vou dizer sombra. Vai ficar sempre essa imagem dele.”
“Esse goleiro também será especial. Não terá uma missão fácil pela frente, é um desafio muito grande. Esse goleiro que conseguir consolidar essa situação também será especial. A cobrança é normal, mas a cobrança que virá será mais criteriosa.”
“O Dênis tem um potencial que é muito importante para o goleiro. Não é só o jogo, técnico ou tático, mas a parte mental, o comportamento dele. Ele é uma pessoa forte. Ele sabe o que quer, tem bem definido os objetivos dele como profissional. (…) Ele tem essa vantagem de estar aqui convivendo há um tempo.”
QUEM É O GOLEIRO IDEAL PARA A SELEÇÃO?
“Quem vai ser o goleiro da seleção brasileira? Existe sempre essa dúvida, se vai ser o Julio Cesar, o Jefferson, o Diego Cavalieri. No momento oportuno esse goleiro vai acontecer. Não existe antes. O Julio tem a experiência de uma Copa do Mundo. É uma posição de confiança do treinador. É a posição de mais responsabilidade da equipe, atua na área mais importante do jogo. (…) Os outros que estão junto não têm inferioridade alguma ao Julio. Acho que essa condição de titular vai acabar aparecendo naturalmente nos treinos, nos jogos.”
EX-JOGADOR DE ENTREVISTAS RARAS
“Pode até ser coincidência, não é algo que eu sou fanático, não. Quando a gente for conversar, você tem que ter algo a falar, algo consistente, não é aparecer por aparecer. É importante o conteúdo do que você fala.”
DESBRAVANDO A TURQUIA
(nos anos 80, Carlos foi um dos primeiros jogadores brasileiros a atuar no futebol turco, que hoje abriga tantos atletas do país; o goleiro vestiu a camisa do Malatyaspor)
“O povo lá é muito mais fanático, como se envolvia antes dos jogos, a quantidade de público. Aqui é mais uma coisa de momento. Lá são todos os jogos, aquela festa, aquela cobrança. Existiam poucos jogadores estrangeiros lá na época, quase nenhum expressivo em nível mundial. Mas o fanatismo é maior do que aqui. Aqui no Brasil isso acontece só em alguns clubes.”