Dilma Rousseff envia nesta terça (2) ao Congresso uma “mensagem” sugerindo a convocação de um plebiscito sobre reforma política. A ideia divide os partidos. Mesmo legendas governistas torcem o nariz para a proposta. O cheiro de queimado levou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) a articular um “Plano B” –ou “carta de seguro”, como ele prefere chamar.
No mesmo dia da chegada do documento de Dilma, Henrique anunciará a criação de um grupo de trabalho para recolher sugestões e redigir, “no prazo improrrogável de 90 dias”, um projeto de reforma política. Coisa inteiramente desvinculada do plebiscito proposto pela Presidência da República.
Por quê?, perguntou o blog a Henrique. E ele: “A proposta da presidente Dilma é respeitosa, oferece sugestões ao Parlamento. Mas o plebiscito só caminha se houver consenso. Basta que três ou quatro partidos fiquem contra para não andar. E nós não podemos ficar de mãos atadas. Por isso, vou fazer essa carta de seguro.”
Por delicadeza ou lealdade, Henrique não diz. Mas as chances de o Congresso aprovar o plebiscito de Dilma são pequenas, muito pequenas, diminutas. Conforme noticiado aqui na semana passada, era falsa a tese da coesão do bloco governista, vendida pelo Planalto após reunião de Dilma com seus supostos aliados. Para complicar, sobreveio o derretimento da popularidade da presidente. Caiu de 57% para 30%, informou o Datafolha. Presidente impopular não costuma inspirar consensos.
Além dos partidos de oposição (PSDB, DEM e PPS), divergem de Dilma –total ou parcialmente— pelo menos seis legendas governistas: PDMB, PP, PR, PTB, PSC e PSB. É o suficiente para impedir que a ideia da presidente obtenha os 257 votos necessários à sua aprovação no plenário da Câmara.
Há de tudo no condomínio governista, menos unidade. Uma parte prefere o referendo ao plebiscito. Outra parte aceita o plebiscito, mas não admite que as novas regras vigorem nas eleições de 2014, como quer Dilma. Um terceiro grupo acha que cabe ao Legislativo resolver a encrenca da reforma política –sem referendos nem plebiscitos.
Às dificuldades políticas adicionam-se complicações técnicas e financeiras. Nesta terça (2), a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, reúne-se com presidentes dos TREs. Recolhe dados para responder às questões que lhe foram encaminhadas por Dilma: de quanto tempo precisa a Justiça Eleitoral para realizar um plebiscito? Quanto vai custar?
Membro do TSE, o ministro Marco Aurélio Mello disse, em entrevista veiculada aquino final de semana, que o plebiscito é caro e desnecessário. A reforma política, disse ele, é assunto técnico demais para ser acomodado num plebiscito. Contrário à proposta de Dilma, o senador governista Francisco Dornelles (PP-RJ) ecoou Marco Aurélio num discurso feito da tribuna do Senado.
Segundo Dornelles, plebiscito com apenas três ou quatro perguntas, como deseja o Planalto, equivaleria a “um golpe”. O senador fez um inventário das questões que teriam de constar do questionário a ser respondido pelo povo. Somando-se os temas e os subtemas, chegou a 29 indagações. “Isso inviabiliza a realização do plebiscito”, concluiu o senador.
Nem mesmo o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, vestiu a camisa do plebiscito. O partido está rachado. E as trincas serão expostas em reunião de sua Executiva nacional, marcada para esta terça (2). A bancada da Câmara, informa o líder Eduardo Cunha (RJ), não aceita que eventuais alterações nas regras do jogo vigorem já na partida de 2014.
As divergências vão às raias do paroxismo quando o debate chega ao teor das perguntas a serem incluídas num eventual plebiscito. Vários partidos consideram essencial saber o que pensa a sociedade brasileira sobre temas que causam urticária em Dilma. Por exemplo: a reeleição (deve ser mantida?) e a duração dos mandatos presidenciais (quatro ou cinco anos?). Eduardo Cunha quer indagar também sobre o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo?).
Dilma sabe dos riscos que sua proposta corre no Congresso. A despeito disso, decidiu enviar a “mensagem”. Foi redigida a quatro mãos, duas do vice Michel Temer e duas do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). Chamado à Granja do Torto na noite passada, Henrique Alves conheceu o texto. Considerou-o “light”. Nada de imposições, só “sugestões”. Nenhuma pergunta, apenas a menção a três temas: financiamento da campanha, modalidade de voto e suplentes de senador.
Seja como for, ao remeter ao Congresso uma proposta que divide seus próprios aliados, Dilma apertou o botão do ‘vai ou racha’. Com isso, ateou em seus aliados a suspeita de que age com o deliberado propósito de empurrar para dentro do Congresso o desgaste que lhe roeu a popularidade e as intenções de voto –de 51%, caiu para 30%.
À sua maneira, Henrique Alves defende Dilma. “Precisamos fazer um mea culpa. Tentei votar a reforma política em abril e não consegui aprovar nenhum item. Não dá para evitar esse debate agora. Nesse tema, nós falamos muito e fazemos pouco. Precisamos reconhecer isso.”
O senador Aécio Neves, presidente do PSDB e principal nome da oposição para a sucessão de 2014, refuga a carapuça. A última vez que Dilma falou sobre reforma política, disse Aécio, foi no seu discurso de posse, em janeiro de 2011. “Nesses dois anos e meio de governo, o país não teve o prazer de saber o que pensa a presidente sobre esse tema.”
De resto, Aécio diz que o Planalto poderia acionar sua maioria na Câmara e no Senado para aprovar a reforma política. A oposição não se recusaria a ajudar, afirma. Depois, o texto aprovado poderia ser submetido ao crivo da sociedade por meio de um referendo.