Troca de e-mails entre executivos da Siemens indica que empresas tiveram acesso, com antecedência, aos planos da Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM) para quatro licitações realizadas pelo governo de São Paulo em 2004 -segundo mandato de Geraldo Alckmin (PSDB).
Documento em poder das autoridades antitruste federais ao qual a Folha teve acesso mostra que as empresas, antes mesmo da divulgação dos editais, discutiram a partilha do programa Boa Viagem, lançado por Alckmin para recuperação, reforma e modernização de trens.
No dia 24 de novembro e sob o título “Aquisição planejada pela CPTM no Brasil”, um e-mail enviado por executivo da Siemens detalhava como a companhia esperava dividir os contratos entre os maiores fornecedores. As primeiras informações sobre as licitações só seriam oficializadas dois dias depois.
“As diferentes reformas devem ser dadas a vários fornecedores. A CPTM tem por objetivo principal dar o pacote completo para quatro fornecedores grandes (Alstom, Siemens, Bombardier e T’Trans). No nosso caso, contamos com a Iesa e MGE como subfornecedores”, diz o e-mail assinado por Marcos Missawa, então executivo da Siemens.
Outro lado: Estado nega haver discutido projeto com empresas
A correspondência ainda relata reuniões “entre as quatro firmas acima mencionadas”, a previsão de a Siemens garantir contrato de R$ 85 milhões no projeto e acrescenta: “Continuamos o desenvolvimento do prazo da licitação com as três outras firmas e a CPTM. Ouve-se aqui que as licitações devem ser publicadas nas próximas semanas”.
Seis dias depois do primeiro e-mail, no dia 30 de novembro, Peter Grolitz, outro executivo da Siemens, informa em nova mensagem que mais informações oficiais sobre a concorrência estariam disponíveis no dia 3 de dezembro de 2004. Mais uma vez, os negociadores afirmavam saber de informações da CPTM com antecedência.
“Isso já nos havia sido informado […] mais recentemente pelos nossos conhecidos na CPTM (em nossas visitas a Presidente Altino e em nossos churrascos de confraternização)”, diz o e-mail, citando o bairro de Osasco onde fica uma oficina da CPTM.
O processo das quatro licitações foi concluído em agosto de 2005. As quatro empresas apontadas no e-mail da Siemens como escolhidas pela CPTM para liderar o projeto foram oficialmente anunciadas como vencedoras.
INVESTIGAÇÃO
Em maio, a Siemens fez acordo com autoridades brasileiras em que delatou a existência de cartel nas licitações de metrô. Em troca, a multinacional quer evitar punições pela prática de cartel.
Segundo documento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o acordo das empresas no programa Boa Viagem teria ocorrido com a divisão das licitações.
E-mails dos executivos da Siemens indicam que, antes da publicação dos editais, as empresas teriam realizado reuniões para repartir os lotes.
Além das quatro grandes fornecedoras citadas pela CPTM, o “grupo” (como se identificam as empresas que negociavam o cartel) incluía ainda a IESA, a MGE, a Temoinsa, a Tejofran e a MPE.
No desenrolar das licitações, todas as empresas envolvidas no acerto conseguiram ser contempladas com partes do programa, com participação direta na concorrência ou via subcontratação.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress | ||