Poucas horas antes de morrer, na madrugada de segunda-feira (9), o baixista Champignon desabafou que vinha sofrendo cobranças e críticas em relação A Banca, banda montada com os remanescentes do Charlie Brown Jr., menos de um mês da morte do vocalista Chorão. No domingo, pela manhã, o músico chegou a ver uma montagem postada no mural em seu Facebook, onde era chamado de Judas. 

“Era a foto nova de A Banca, escrito em cima: ‘Os Mercenários’. Na frente do Champ escreveram ‘Eu sou Judas'”, relata ao UOL o cantor Perí Carpigiani, ex-companheiro de Champignon na banda Nove Mil Anjos, e um dos últimos amigos a conversar com o baixista no domingo à tarde, antes do músico jantar com a mulher e um casal de amigos. A montagem levou Perí a ligar para o amigo na tarde de domingo. “Entrei em contato com ele e falei: Champ, está tão pesado assim?”

“A galera não sabe pelo o que a gente está passando”, respondeu Champignon.

A conversa se seguiu, com Champignon mais “frio” que o habitual, relata o amigo. “De todas as vezes que eu falei com ele foi a vez em que ele me pareceu meio frio, com vontade de jogar a toalha. Me espantou pela rapidez com que ele me respondia. Ele disse que provavelmente teria que abrir mão de alguma coisa, citou diretos autorais”.

“Picos de alegria e depressão

Perí chegou a morar durante dois meses com o baixista em Los Angeles, durante a produção do primeiro disco da Nove Mil Anjos, que contava com Junior Lima na bateria e Peu Sousa na guitarra – que também se suicidou em maio.

Entre lamentos por perder o segundo amigo da mesma forma – “é horrível ver a nossa foto, eu ao lado do Champ e do Peu” -, Perí tenta entender o que aconteceu depois que desligou o telefone com o baixista. “Existia a questão de bipolaridade. Que todos nós temos em grau menor. Um dia você tem um humor legal de manhã, e alguma notícia te deixa mal logo em seguida. O gráfico dessas emoções no Champignon fazia com que ele tivesse picos de alegria e de depressão. Às vezes o problema de um amigo está na cara, mas a gente não vê”.

Perí sabia que Champignon tinha armas em casa, sem nunca ter entendido o porquê.  “‘Joga essa merda fora’, eu falava, ‘você tem criança’. Não sei por que ele tinha isso. O cara era gente boa, para cima, mas tinha uma arma em casa”.

Baixista de mãos hábeis e talento nato, Champignon era um músico requisitado e apontado como melhor baixista do Brasil. Mas o santista também sofreu altos e baixos na música. Em 2005, ele saiu do Charlie Brown Jr., banda que ajudou a formar por desentendimentos com Chorão e o empresário da banda.

Novos projetos apareceram em seguida. Com a banda Revolucionnarios, virou vocalista pela primeira vez, sem nunca alcançar repercussão nacional. Em 2008, integrou a Nove Mil Anjos, que após dois anos de atividade, foi se separando aos poucos. Champignon chegou a tocar em uma banda cover, antes de procurar Chorão para voltar ao Charlie Brown, mesmo que a relação entre ele e o vocalista, morto em março, fosse de amor e ódio.

“Imagina toda essa trajetória. Ele era de uma banda que mais trabalhava no Brasil, e de repente está tocando em uma banda cover? Ele ficou com emocional abalado. No caso dele, foram picos muito altos, foram momentos de depressão”, relata Perí.

Com a morte do Chorão, Champignon lançou A Banca ao lado e com o apoio dos remanescentes do Charlie Brown, e contratou uma baixista, Lena Papini, para que ele pudesse se lançar inteiramente como vocalista.  Na época, ele dizia para amigos e justificava nas entrevistas: “Se ficássemos em casa, morreríamos também”. No começo a reação do público foi ótima, mas com o tempo, isso gerou o efeito contrário em alguns fãs.

“Ele estava sendo cobrado por ser o melhor baixista do Brasil, mas não conseguir liderar uma banda e lidar com os holofotes voltados para ele”, avalia Perí. “Uma parcela dos fãs do Charlie Brown, após aquele momento da morte do Chorão, perceberam que A Banca estava fazendo show menos de 1 mês da morte do vocalista. Rolava cobranças e questionamentos de que Champ queria tomar o lugar do Chorão”, explica.

Algo que, Perí conta, o baixista tinha consciência. “Os amigos que são irmãos mais velhos falavam: olha, cuidado, vai com calma. Isso pode ser interpretado dessa forma. Ele estava tentando algo por sobrevivência, ele não estava tirando onda, e ele sabia que era risco”, explica.

Em um dos primeiros shows de A Banca, na Virada Cultural em São Paulo, em maio, Champignon se esforçava em mostrar que não queria o lugar do antigo líder e se defendia em vários momentos do show. “Não sei se é pior parar ou continuar tocando. Tá sendo difícil. Mas estamos aí pra tocar até o fim do ano. Estamos aqui por causa de vocês”, disse.

“É muita pressão, mas se ele tivesse administrado melhor as críticas, e tivesse saúde mental… Ele não estava preparado para ser o líder de uma banda. Pelo que eu conheci dele: a crítica era a última coisa que ele queria ver. O cara de santos, da rua, do skate, sendo chamado de Judas? Isso pesou. Ele era temperamental sim, mas não era um cara que ficava apavorando. Na minha opinião, nada justifica o suicídio, mas é impossível dizer que ele estava em plena consciência”, observa Perí. “Dá raiva, porque se eu soubesse… Às vezes o problema de um amigo nosso tá na nossa cara, e a gente não vê”

Após alguns minutos, Perí se despediu do amigo por telefone. “Eu disse: ‘não entre nessa pira, não ouça essas críticas. Eu tenho certeza que você vai se sair bem”.

Entenda o caso
Champignon foi encontrado morto no início da madrugada desta segunda, em seu apartamento, com um tiro no lado direito na cabeça. Segundo o boletim de ocorrência registrado no 89º Distrito Policial de São Paulo, em depoimento prestado pela viúva do músico, Cláudia Campos, ele ingeriu saquê no restaurante que jantou na noite de domingo com a mulher e o casal de amigos Oscar e Juliana.

Ainda segundo o documento, foram consumidas duas garrafas de saquê no restaurante, mas não especifica se todos beberam ou apenas Champignon. Durante o jantar, a mulher –grávida de cinco meses– contou que ela e o marido tiveram uma discussão e, ao chegar em casa, o músico se dirigiu para o estúdio/escritório e não deixou que ela entrasse no cômodo. Em seguida, ela ouviu dois disparos e o corpo caindo ao chão.

Segundo a delegada Milena Suegama, do 89º Distrito Policial, ele deu dois disparos com uma pistola calibre 380. O primeiro tiro teria sido um teste e foi feito em direção ao chão, e o segundo foi do lado direito da cabeça. A polícia trabalha com a hipótese de suicídio.

Testemunho de vizinhos
Vizinho de Champignon, o corretor de imóveis Alexandre Banaion relatou que ouviu um barulho de tiro vindo do apartamento do músico por volta da meia-noite, seguido de gritos da mulher e latidos do cachorro do casal. Ele foi até a casa, onde encontrou a mulher do músico chorando e gritando: “Amor, você não fez isso”.

Muito nervosa, Cláudia contou à delegada que discutiu com Champignon, mas declarou que o marido não era um homem agressivo e não usava drogas ou medicamentos controlados. Ela foi levada para um hospital em estado de choque por volta das 2h30 e liberada às 6h40. Champignon tinha ainda uma filha de 7 anos de seu primeiro casamento, e segundo um tio a menina está com a mãe e já sabe da morte do pai.

A pistola, outra arma, celulares e computadores foram apreendidos. A delegada informou que não encontrou qualquer vestígio de drogas no apartamento. Familiares disseram à polícia que o músico estava chateado com a imprensa, por conta das críticas negativas sobre a nova banda, A Banca.

O síndico do prédio esteve na delegacia para entregar imagens das câmeras de segurança. Em entrevista ao “SPTV”, da Rede Globo, ele admitiu que uma imagem pode levantar suspeita de agressão. “Prefiro não comentar. Eu vou deixar por conta da doutora [delegada]”, declarou Gino Castro.

Comunicados
Nas páginas oficiais das bandas Charlie Brown Jr. e A Banca no Facebook, a equipe dos grupos confirmaram a morte do músico através de comunicados. “A Família Charlie Brown Júnior comunica, com pesar, o falecimento do baixista Champignon, que participou de grande parte das formações da banda. Desde já agradecemos todas as manifestações de apoio dos fãs neste momento doloroso, e externamos nosso apoio à esposa, filha e todos os demais familiares”, dizia o texto na página do Charlie Brown, primeiro a ser publicado.

Júnior Lima, que foi companheiro do baixista na banda Nove Mil Anjos, disse estar em choque. “Acordei agora com a noticia do Champ! Tô em choque! Perdi mais um irmão! Nao tô conseguindo acreditar! Pqp! Alguém sabe o por quê? Se ele deixou algum recado? O que que aconteceu? Tô perdido aqui sem informações! NÃO CONSIGO ACREDITAR!”, escreveu no Twitter.

O caso ocorre seis meses após a morte de Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr., no dia 6 de março, em São Paulo. O laudo apontou overdose de cocaína como a causa da morte do cantor. Em maio, outro músico que tocou com Champignon, Peu Sousa, foi encontrado morto enforcado com um cinto amarrado no pescoço.

Na época, Champignon disse não saber por que o amigo se mataria e disse acreditar que ele havia “perdido a fé”. “Estou muito triste. Exatamente dois meses após a morte do Chorão, vem o Peu. Que ano!”, disse ele. E acrescentou: “Não sei porque ele faria isso, mas acredito que ele perdeu a fé em viver. Se a pessoa vive sem fé, não importa se é em alguma religião ou em outra coisa, não tem como continuar”.