RAMTHA, Jordânia – Hussein Zoubi estava sentado confortavelmente sobre uma almofada. Sua mulher e seus filhos enchiam a casa de risos e conversas. Então, um dia, ele raspou a barba e voltou para a Síria, onde chefia uma brigada rebelde. “Eu chorei”, disse sua sogra, Wesal al-Aweer. “Supliquei para que ele não fosse.”
Sua mulher, Montaha Zoubi, 34, disse: “Estávamos acostumados a tê-lo aqui, por isso agora sentimos que a casa está vazia”.
Dono de uma loja de ferragens na Síria antes da guerra civil, Zoubi, 40, pegou em armas contra o governo de Bashar al-Assad dois anos atrás. Desde então, como milhares de sírios na Jordânia, no Líbano e na Turquia, ele tem levado a vida de um rebelde itinerante, sendo um combatente na Síria e um homem de família do outro lado da fronteira.
Há muito tempo, os homens vão à guerra depois de levar suas famílias para locais mais seguros. Mas a proximidade do combate na fronteira sírio-jordaniana eliminou as distâncias. A vasta maioria dos refugiados é de mulheres e crianças, que buscaram a segurança aqui enquanto os homens vão e voltam da Síria.
Lynsey Addario/The New York Times | ||
Mohammed Askar com filhos em Ramtha, na Jordânia; muitos sírios se dividem entre campos de refugiados e a luta contra Assad |
Diferentemente dos combatentes islâmicos empedernidos que fizeram rápidas conquistas no território sírio nos últimos meses, esses são homens comuns -pequenos empresários, encanadores, carpinteiros- que se veem apanhados pela guerra. Eles lutam durante algumas semanas de cada vez e mantêm contato por meio eletrônico, mas depois voltam para ver suas famílias, curar feridas e cuidar dos negócios, que podem ter sofrido em sua ausência.
Ramtha é a cidade gêmea de Daraa, terra natal do levante sírio, logo após a fronteira. Morteiros errantes de Daraa caem regularmente em Ramtha. Igualmente importante, a capacidade de Daraa de usar a rede de telefonia celular da Jordânia permite que as famílias separadas se envolvam em um fluxo quase constante de mensagens de texto, para não falar em telefonemas.
Esses combatentes/refugiados pertencem a grupos ligados ao Exército Livre da Síria, associação apoiada pelos Estados Unidos e pela Jordânia.
Mohamed Askar -que, como Zoubi, faz parte da brigada rebelde Liwa Fajr al-Islam- recentemente voltou a Ramtha depois de dois meses e 20 dias na Síria. Ele retornou ao modo paternal, brincando com seus filhos e levando os mais velhos à escola.
“Quando fui buscar minhas meninas no quarto dia, ouvi algumas crianças jordanianas gritarem: ‘Mendigos sírios, ciganos sírios'”, disse Askar. “Então as tirei da escola.”
Antes da guerra, Askar era sócio em uma fábrica de massa de tomate com 30 empregados em Tafas, ao norte de Daraa. Como muitos homens de Daraa, disse Askar, ele se uniu à luta contra o governo por necessidade de defender sua comunidade e para revidar uma afronta.
“Antes da revolução, eu achava que tinha chegado ao topo”, disse ele. “Trabalhava o tempo que queria, era ótimo. Então minha fábrica foi destruída e eu voltei à estaca zero.”
Askar diz que hoje se vê participando de disputas internas e usando sua idade -36 anos- para tentar pacificar os soldados.
“Para ser honesto, passo a maior parte do tempo acertando diferenças dentro da brigada”, disse ele, acrescentando que poderia fazer isso daqui mesmo, usando o Skype, por causa da rápida rede móvel compartilhada.
Para sua mulher, Madjoleen, 29, a boa conexão foi um presente de Deus. “Eu sei que ele está bem, porque liga a intervalos de horas quando está na Síria”, disse.
Em outra casa, as mulheres de dois irmãos que lutam em uma brigada chamada Al Mansour vivem com os sogros. Easa al-Masalmeh, 26, encanador, voltou para a Síria no final de agosto, um dia antes de seu irmão, Qassem, um negociante de 33 anos, ser morto lá.
Em uma sala onde ela observava o período de luto muçulmano, a viúva de Qassem, Fatima, 28, disse que, quando ele lutava na Síria, o casal trocava mensagens constantemente em aplicativos de mídia social como Viber e WhatsApp.
Dois dias antes de ser morto, ele enviou à mulher uma mensagem em vídeo. Afirmou, “com todo o meu amor, respeito e saudade”, que o caminho que ela teria pela frente seria “forrado de flores”. O vídeo continuava: “Sem você, meu céu não é abençoado com chuva”.
Mais tarde, Fatima recebeu uma foto de celular do túmulo de seu marido em um cemitério rebelde em Daraa.
A mulher de Easa, Anwar, disse que luta para criar seus dois filhos sozinha. “A menina quer o pai, e meu filho diz que quer entrar para o exército e voltar à Síria”, acrescentou.
Na casa de Zoubi, a família está se adaptando a sua partida repentina. O filho mais velho, Naji, 10, recebeu os visitantes. Percorrendo as fotos em seu celular, Naji mostrou sua foto preferida do pai -de camuflagem, segurando uma Kalashnikov na mão direita e fazendo o sinal V com a esquerda- e um clipe que mostra seu pai liderando um grupo de homens açoitando um informante do governo.
Em uma demonstração de apoio moral à mulher de Zoubi, vários parentes a visitavam.
“Uma casa sem um homem não vale nada”, disse Aweer, sua sogra, incapaz de conter a dor.
“Mas ele me disse que não conseguia mais viver dentro de casa”, disse sua mulher.
Algumas semanas depois, Zoubi voltou para Ramtha. Seu braço doía, explicou por telefone. Ele disse que queria estar no campo de batalha e que não estava feliz por ter voltado. Mas, acrescentou, sua mulher e seus filhos estavam.
Colaborou Rana F. Sweis