Estima-se que 700 milhões dos mais de um bilhão de habitantes da China residem em áreas urbanas. Com isso, o país atingiu um importante ponto de inflexão em sua evolução de economia agrária para país industrial. Mas a migração populacional em massa, combinada com a insistência do governo chinês em manter um planejamento central (e não dar a mínima para a teoria keynesiana) resultou num fenômeno estranho: gigantescas cidades pré-fabricadas são construídas para populações que nem existem ainda.
Desde a Revolução Cultural de 1978, a China construiu mais de 500 dessas cidades vazias, e outras centenas serão erguidas até o final da década. A teoria por trás do negócio faz sentido: em 2020, um em cada oito seres humanos viverão em cidades chinesas, totalizando mais de um bilhão de pessoas. A atual infraestrutura urbana da China simplesmente não poderá comportar esse boom populacional.
Mas a iniciativa chinesa é uma grande aposta. Em vez de expandir lentamente as áreas urbanas de acordo com a demanda, a liderança política da China prefere construir cidades inteiras de uma só vez. Embora a ideia tenha as vantagens de um planejamento centralizado, que permite ao governo definir a infraestrutura dos espaços públicos como escolas, prédios governamentais, lojas, shoppings e até universidades, o método é bastante arriscado. Se alguma parte da cidade não conseguir se firmar econômica, industrial ou residencialmente, o lugar inteiro corre o risco de fracassar.
Conheça algumas das cidades “pronta entrega” que ainda não deram certo:
New South China Mall
Este lugar é o garoto-propaganda das falhas do planejamento central. O New South China Mall é tudo o que você esperaria de um shopping center gigante construído no meio de um campo de milho: 99% vazio quase uma década depois de sua portentosa inauguração.
Construído em 2005, o cavernoso edifício de 82 mil metros quadrados abriga dezenas de lojas, sendo a maior parte restaurantes de fast food aglomerados em torno da entrada principal. [The China Chronicle]
Tianducheng
A nova cidade de Tianducheng em Hangzhou é, talvez, a mais conhecida das cidades-fantasma do país, com sua réplica da Torre Eiffel de quase 100 metros de altura dominando a paisagem. Na verdade, a maior parte desse luxuoso empreendimento imobiliário é uma imitação de Paris – porém com uma população muito menor. [Business Insider]
Kangbashi New Area
Apelidada de “Dubai do norte da China”, a nova cidade de Kangbashi é um braço que acabou saindo da periferia de Ordos, na Mongólia Central, em 2003. No início dos anos 2000 a região passou por um boom, por conta de seus valiosos depósitos minerais, e Kangbashi foi criada para proporcionar aos novos mineradores e caçadores de tesouros todos os confortos de uma cidade moderna.
Porém nada é tão eficiente em matar um boom quanto uma bolha imobiliária. Antes que as pessoas começassem a se mudar para a cidade – antes mesmo das estradas começarem a ser construídas –, investidores e especuladores baixaram na cidade e compraram lotes e lotes de complexos habitacionais na esperança de lucrar com aluguéis inflacionados quando os moradores chegassem.
Mas os preços altos dos aluguéis, que extrapolavam o mercado em cerca de 30%, foram exatamente o que manteve afastados os possíveis migrantes. A cidade, originalmente criada para um milhão de habitantes, teve de reduzir sua infraestrutura e se preparar para abrigar apenas 300 mil pessoas. Na verdade, menos de 30 mil pessoas moram em Kangbashi atualmente. [io9]
Zhengdong New Area
Construída à sombra de Zhengzhou, a capital (e maior) cidade da província de Henan, ao norte da China, Zhengdong New Area surgiu no meio de campos de trigo e em pouco mais de uma década se tornou uma metrópole com o dobro do tamanho de São Francisco. Infelizmente, uma especulação imobiliária semelhante à vista em Kangbashi atrofiou o crescimento da sua população.
Isso não quer dizer que Zhengdong esteja completamente vazia. Entre 2000 e 2010, toda a população da cidade (tanto a de Zhengzhou quanto a New Area) cresceu cerca de 30% e agora são quase nove milhões de pessoas.
Mas esse aumento é pouco visível dentro do novo distrito. Uma combinação de incessantes construções residenciais e de preços inflados das casas espantaram as pessoas para quem a cidade foi construída. O preço médio de um metro quadrado é US$ 1.660, enquanto a renda mensal de um residente de Zhengzhou é de aproximadamente US$ 483. [CNN – Imagem: Lennlin]
Parque de Diversões Wonderland
Muito parecido com o New South China Mall, o Wonderland foi um projeto à frente de seu tempo. Localizado na aldeia de Chenzhuang, a apenas 45 minutos de Pequim, ele ocupa uma área de mais de 120 hectares e foi originalmente anunciado como “o maior parque de diversões da Ásia”.
No entanto, disputas quanto ao valor da terra entre os criadores do parque e o governo local suspenderam abruptamente as construções em 1998. A tentativa de retomar o projeto em 2008 também falhou por conta de uma bolha imobiliária regional.
O parque sofreu o golpe final no começo de 2013, quando todas as estruturas não terminadas foram retiradas do local, restando apenas o esqueleto do Castelo da Cinderela. [io9 – Reuters]
Chenggong New Area
Chenggong foi construída para abrigar a transbordante população de Kunming, a maior cidade da província de Yunnan, no sudoeste da China. Para todos os efeitos, Chenggong é uma cidade completamente funcional – exceto por não ter pessoas.
Toda a infraestrutura do distrito de expansão está pronta, incluindo escritórios do governo e duas universidades. Uma linha de metrô está sendo construída na cidade. Apesar da superlotação de Kunming – mais de 6,5 milhões de pessoas vivem lá –, em Chenggong existem mais de 100 mil apartamentos vagos desde a construção da cidade.
Estranhamente, os aluguéis de Chenggong não foram vítimas da especulação imobiliária e permanecem relativamente acessíveis. Acontece que as pessoas simplesmente não querem se mudar para lá. [Wiki – World Bank]
Essas cidades, embora sejam povoadas lentamente, têm futuro incerto. A economia chinesa continua crescendo e prosperando, mas infelizmente as cidades não foram construídas no Campo dos Sonhos. Só porque uma cidade foi construída, não quer dizer que alguém realmente vai morar lá.