Mauricio Lima/The New York Times

Parentes de Gilson Ribeiro, porteiro que foi morto pela polícia em 2008, conversam em Salvador

Parentes de Gilson Ribeiro, porteiro que foi morto pela polícia em 2008, conversam em Salvador

Jóias da arquitetura barroca enfeitam esta cidade. Músicos encantam o público com performances de alta octanagem que refletem o status de Salvador como bastião da cultura popular do Brasil. Torres residenciais de luxo têm vista para um magnífico porto. O parque industrial na periferia da cidade contém fábricas de ponta, inauguradas pela Ford e outras multinacionais.

Salvador, a maior cidade do Nordeste do Brasil, região que ainda apresenta um crescimento econômico invejável mesmo com a desaceleração econômica nacional, deveria estar em franca prosperidade. Entretanto, o crescimento está produzindo outro resultado: em vez de celebrar a cidade como fazem seus moradores há muito tempo -o escritor Jorge Amado chamou este lugar descontraído de “eterna beleza”- muitas pessoas estão cada vez mais revoltadas com Salvador.

No que pode servir de alerta para outras cidades do mundo em desenvolvimento, a prosperidade crescente de Salvador, em exibição em novos shoppings, mega-igrejas e amplos condomínios bem vigiados, coexiste com uma realidade mais sombria. Uma onda de crimes violentos transformou Salvador na capital de homicídios do Brasil; os motoristas têm de lidar com um trânsito que está entre os mais caóticos e violentos de qualquer cidade da América do Sul; e cresce o ressentimento com a metamorfose dos bairros à beira-mar, outrora elegantes, em regiões abandonadas de alta criminalidade, com edifícios que parecem ruínas.

“Nossos líderes políticos são de tal mediocridade que é difícil de compreender”, disse Antonio Risério, escritor e historiador que narrou as origens do Salvador como a primeira capital do Brasil, de 1549 a 1763, e berço da cultura afro-brasileira. “Nós não somos uma cidade fracassada, mas nós somos um lugar onde a classe média vive com medo”, acrescentou Risério, que é um dos críticos mais ferrenhos das mudanças recentes de Salvador.

Salvador agora tem mais homicídios por ano do que qualquer outra metrópole brasileira, incluindo a megalópole São Paulo, que é quatro vezes maior. O caos na segurança tornou-se tão agudo e surreal que as vítimas estão sendo encontradas decapitadas, como no caso de um corpo encontrado em uma estrada para o aeroporto, ou são torturadas por multidões, como no caso de um suspeito de estupro emboscado por moradores em uma favela chamada Bairro da Paz.

Embora a desigualdade tenha persistido, o aumento da renda e do acesso ao crédito ajudou a frota de veículos de Salvador a duplicar na última década, para mais de 750 mil. Mas, com os projetos de rodovias paralisados ou inexistentes, e partes do Salvador ainda com ruas de paralelepípedos e becos da época colonial, a revolta no trânsito está se intensificando.

Esta cidade de 2,9 milhões de habitantes (a área metropolitana tem quase 5 milhões de habitantes) ficou chocada em outubro com uma briga de trânsito em Ondina, um dos bairros residenciais mais exclusivos de Salvador, quando câmeras de vídeo capturaram um oftalmologista de 45 anos de idade, em uma SUV, atropelando dois irmãos em uma motocicleta, esmagando-os até a morte contra o muro de um hotel.

Para complicar os desafios de mobilidade de Salvador, o transporte público é um desastre simbolizado por um sistema de metrô extremamente caro que nunca funcionou. As construtoras brasileiras começaram a levantar os grandes pilares do metrô de concreto armado, projetados para trens importados da Ásia, em 1997.

Protestos na Bahia

Protestos na Bahia

 

As autoridades brasileiras gastaram centenas de milhões de dólares de dinheiro público no projeto, e os auditores encontraram gastos excessivos, mas a obra não foi concluída. Dezesseis anos após o início da construção, as autoridades finalmente disseram em outubro que iriam gastar US$ 600 milhões a mais para fazê-lo funcionar, mas só depois da Copa do Mundo de 2014, quando outras cidades brasileiras planejam apresentar seus novos sistemas de trânsito.

Diante de tal desordem, alguns em Salvador tentam evitar as críticas observando que há outras cidades do Nordeste do Brasil, incluindo Maceió e João Pessoa, com taxas de homicídios per capita mais elevadas, segundo as estatísticas. E as ofertas culturais de Salvador permanecem sublimes, dignas da cidade que impulsionou para a fama cineastas e alguns dos maiores cantores e compositores do Brasil, como Caetano Veloso.

Mas muitos aqui lamentam as comparações com Recife, outra cidade da região, que é a base política de Eduardo Campos, candidato às eleições presidenciais do próximo ano, e tem uma cena cultural animada, que produziu “O som ao meu redor”, filme aclamado pela crítica do Brasil enviado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

 

O mal-estar de Salvador tem afetado a indústria do turismo, que já foi vibrante. Na Barra, uma área de mar onde os surfistas ainda pegam ondas em praias acariciadas pelo sol, um italiano proprietário de um pequeno hotel foi espancado até a morte no final de 2010. Em outubro, um turista brasileiro de 15 anos foi morto no centro da cidade antiga por uma bala perdida em um tiroteio.

Nem mesmo o Pelourinho, bairro colonial rico em igrejas douradas e monumentos históricos, está imune. A área revitalizada nas últimas décadas ainda atrai visitantes. Mas, apesar de contar com uma unidade especial da polícia que visa prevenir assaltos e agressões, é comum ver em algumas partes do Pelourinho adolescentes com roupas esfarrapadas fumando crack em plena luz do dia.

Abalados por cenas assim ao lado de bolsões bem guardados de riqueza, os cidadãos buscam estratégias para tirar a cidade de seu declínio. Antônio Carlos Magalhães Neto, o prefeito e herdeiro de uma dinastia política proeminente, nem sequer pestanejou quando perguntado se Salvador tornou-se uma “cidade fracassada”, como alguns moradores afirmam.

“Estamos no processo de recuperação dessa condição”, disse o prefeito de 34 anos em uma entrevista.

Desde que assumiu o cargo este ano, Magalhães Neto colocou em ação medidas para aumentar as receitas, aumentando o imposto sobre a propriedade, e contratou a empresa de consultoria McKinsey & Co. para encontrar formas de melhorar a eficiência da burocracia municipal. Ele colocou grande parte da culpa pelos problemas de Salvador em seu predecessor, João Henrique Carneiro, cujo índice de aprovação havia mergulhado para um dígito antes de ele deixar o cargo, após oito anos na prefeitura.

O governo do Estado da Bahia também foi alvo de críticas, especialmente em relação aos seus esforços para combater o crime. Robinson Almeida, porta-voz do governador Jacques Wagner, disse que o aumento da prosperidade em Salvador, capital do Estado, tinha acentuado alguns problemas porque hoje mais pessoas eram capazes de pagar por drogas ilegais.

“Estamos sofrendo uma explosão no consumo de crack”, disse Almeida, citando a ampla disponibilidade da droga e as estimativas que mais da metade de todos os homicídios em Salvador envolvem disputas relacionadas com drogas. Em algumas das favelas mais perigosas de Salvador, segundo ele, os novos programas de policiamento começaram a reduzir as taxas de homicídio.
Ainda assim, um passeio à tarde no mês passado por uma ampla colcha de retalhos de favelas chamada Nordeste de Amaralina, onde, segundo Almeida, as autoridades aumentaram a presença policial, a natureza frágil das políticas de combate ao crime era aparente.

Embora Nordeste de Amaralina tenha uma “base comunitária de segurança”, como são chamados os novos postos policiais de Salvador, um adolescente empunhando uma pistola automática se aproximou do repórter e do fotógrafo, perguntando por que eles estavam entrevistando os moradores e tirando fotos da comunidade.

O guia dos jornalistas, Paulo César Barreto, 44, acalmou o garoto, explicando que o plano era conversar com parentes das vítimas de homicídios no Nordeste de Amaralina. Em seguida, ele mostrou aos visitantes o local onde seu irmão, Gilson Barreto, um porteiro de 33 anos de idade, foi morto a tiros em 2008, não por criminosos, mas pela polícia.

“Depois de matar meu irmão, a polícia roubou sua carteira de identidade e seu dinheiro”, disse Barreto, cuja família entrou com uma ação por morte injusta contra os policiais envolvidos no episódio. Os investigadores dizem que a polícia plantou uma arma na vítima e inventou que esta havia disparado contra os policiais.

No mesmo bairro em 2010, Joel da Conceição Castro, um menino de 10 anos, foi baleado na cabeça pela polícia, no que foi descrito como uma operação fracassada contra os traficantes de drogas. Antes de ser morto, Joel tinha estrelado um comercial de televisão que promovia o turismo em Salvador.

Tradução: Deborah Weinberg