Nicholas Mevoli economizou dinheiro de vários empregos para pagar por uma busca sem fim de prender sua respiração e afundar seu corpo o mais distante possível no oceano.
Ele praticava em banheiras e em piscinas no Brooklyn, até mesmo vendo quão longe podia correr com uma só aspiração de ar. Durante aproximadamente os últimos dois anos, o mergulho livre consumiu sua vida, o transformando de um novato a um detentor do recorde nacional.
Mas, no domingo (17), na busca de outro recorde em um campeonato em uma enseada escondida nas Bahamas, diante dos melhores mergulhadores em apneia do mundo, Mevoli chegou à superfície –mas ele não estava bem.
Após mergulhar até 68 metros, ele fez uma pausa e então chegou aos 72 metros antes de voltar. Após permanecer debaixo d’água por 3 minutos e 38 segundos, Mevoli arrancou seus óculos e caiu rapidamente inconsciente. E morreu logo depois.
A vida e a morte de Mevoli refletem tanto o espírito de um esporte em rápido crescimento quanto seus riscos. Sua ascensão de novato a detentor de recorde em pouco menos de um ano serve tanto como inspiração quanto como alerta para um mundo de mergulhadores cuja estrela ascende à medida que as profundezas que atingem aumentam.
O mergulho livre (ou em apneia), com raízes ancestrais nos mergulhadores à procura de alimentos e tesouros do milênio anterior, é praticado por dezenas de milhares de mergulhadores recreativos certificados, monitorados por uma teia de agências de mergulho livre, incluindo a AIDA, a Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apneia, a entidade que rege o esporte.
Mas o mergulho livre competitivo permanece um esporte de nicho. O calendário da AIDA conta com cerca de 20 eventos até março, alguns com premiação em dinheiro. São poucos os grandes patrocinadores. Alguns atletas de ponta dão cursos de mergulho livre, mas poucos –se é que algum– ganham a vida competindo.
“Eu realmente gosto dessa jornada até onde outras pessoas não podem ir”, disse Michael Board, o detentor do recorde britânico que competiu nas Bahamas no fim de semana. “A sensação de estar nas profundezas, onde você não deveria estar, sentindo um tipo de domínio sobre seu corpo e mente, e uma enorme paz, deixa você sem medo. É um verdadeiro feito.”
Kimmo Lahtinen, o presidente da AIDA, sugeriu que o talento natural de Mevoli pode tê-lo levado ao topo do esporte rápido demais, talvez o privando da “experiência importante que é necessária para permanecer vivo em uma profundidade excepcional”.
A organização disse, em uma declaração na segunda-feira (18), que Mevoli foi a primeira morte em mais de 20 anos de suas competições. Ela planeja analisar o acidente “para aprender o que podemos fazer para prevenir lesões graves”.
Na segunda-feira, várias dezenas de mergulhadores em apneia que nadaram com Mevoli se reuniram em Dean’s Blue Hole, uma cavidade lendária de 200 metros, para lembrar Mevoli no local onde ele morreu.
Dean’s Blue Hole é um círculo de escuridão em uma enseada azul-turquesa de Long Island, uma ilha esparsamente povoada nas Bahamas. Ele pode ser uma meca para mergulhadores em apneia do mundo todo, mas os habitantes locais são alertados por gerações anteriores a não se aproximarem demais: ele foi aberto pelo diabo e sugará você para suas profundezas.
Mevoli, como seus amigos audaciosos e concorrentes, desdenhava o risco. Ele amava a pureza do mergulho livre, homem contra a água, homem contra si mesmo, sem snorkel ou cilindro de oxigênio. Nadar até as profundezas do oceano até a água passar de azul a preta e a luz dar lugar à escuridão. Descendo, descendo, cada metro descido no abismo significando outro metro que precisa ser vencido para voltar à luz.
“A água é a aceitação do desconhecido, dos demônios, das emoções, de soltar e permitir a si mesmo fluir livremente com ela”, escreveu Mevoli em um blog, em junho. “Venha à água disposto a ser consumido por ela, mas também confiante de que sua habilidade trará você de volta.”
Pressão e pulmões
As criaturas marítimas são feitas principalmente de água, que é virtualmente incomprimível, de forma que prosperam.
Mas os seres humanos são cheios de vazios –principalmente nos pulmões. Quando os seres humanos descem a grandes profundidades, a pressão crescente força os pulmões a encolherem de tamanho.
A água é quase 1.000 vezes mais densa que o ar, e a pressão enorme de seu simples peso cresce rapidamente durante a descida. À medida que você desce, por peso, cada 10 pés cúbicos de água do mar equivale aproximadamente a 1 pé cúbico de chumbo.
Francisco Ferreras-Rodriguez, de Cuba, que estabeleceu o recorde mundial de mergulho sem auxílio de equipamento de respiração, mergulhou em 1996 a uma profundidade de 133 metros. Estudos posteriores mostraram que a pressão do mar a 120 metros comprimiu o tamanho do peito dele em mais da metade –reduzindo-o de uma circunferência de 1,27 metro na superfície para 0,5 metro.
Os mamíferos marinhos que rotineiramente mergulham profundamente possuem pulmões que entram totalmente em colapso. Alguns possuem peitos construídos como acordeões –projetados para dobrar. Baleias, focas e outros mamíferos que mergulham em águas profundas armazenam oxigênio não em seus pulmões, mas em redes de músculos poderosos.
Para os seres humanos, as profundezas esmagadoras apresentam desafios únicos. O mergulho autônomo (Scuba) atenua o obstáculo mais óbvio com cilindros de oxigênio. Mergulhadores casuais costumam descer até não mais que 30 metros, limitando as pressões da água e as contrações pulmonares que experimentam.
Mas, à medida que os mergulhadores livres descem, eles experimentam um rápido encolhimento dos pulmões e a compressão dos gases em seu interior. Isso enriquece a corrente sanguínea com os dois principais componentes do ar: oxigênio e nitrogênio.
Um risco é a narcose por nitrogênio, ou “embriaguez das profundezas”, que provoca uma estupidez eufórica que encoraja a tomada de riscos. A embriaguez surge quando o excesso de nitrogênio na corrente sanguínea e nos órgãos retarda os impulsos nervosos. Acredita-se que o efeito fisiológico seja semelhante à ação do óxido nitroso, um anestésico que provoca sensações prazerosas.
Essa embriaguez, dizem os especialistas, pode ter levado Mevoli a desprezar os sintomas de risco e retomar repentinamente sua tentativa de um mergulho mais profundo. Ele fez uma pausa e parecia que ia voltar à superfície a 68 metros, mas então se virou e voltou a mergulhar mais fundo.
Especialistas médicos dizem que problemas podem surgir quando um mergulhador desce cada vez mais e as pressões da água continuam crescendo.
“Há um limite para a compressão pulmonar quando você mergulha fundo”, disse Paul J. Ponganis, um anestesiologista praticante e um fisiologista da Instituição Scripps de Oceanografia em San Diego. “Esse esporte está sempre testando esse limite.”
O sangue das pernas e braços é forçado para o coração e para a cavidade torácica, que as costelas e outras estruturas torácicas protegem de colapso total nos seres humanos. Geralmente o corpo de um homem adulto contém cinco litros de sangue, e estudos mostram que as pressões externas sobre os mergulhadores pode enviar até um litro de sangue a mais para a cavidade torácica.
Inicialmente, o aumento de sangue ao redor do coração e pulmões é bom, fornecendo ao mergulhador oxigênio vital.
Mas, à medida que as pressões crescem, o corpo humano frágil é transformado em um tipo de panela de pressão, que é espremido duramente por todos os lados –pela pressão extrema da água externamente e pela pressão sanguínea internamente.
Ponganis disse que Mevoli provavelmente sufocou, com seus pulmões incapazes de absorver o oxigênio vital no ar. Mas ele alertou que apenas uma autópsia poderia detalhar a causa provável de morte.
“É um caso triste”, ele disse. “Para mim, é um esporte muito perigoso. Ele pressiona sua fisiologia até o limite.”
O melhor lugar para mergulho livre
Os mergulhadores em apneia consideram Dean’s Blue Hole o melhor lugar do mundo para mergulho livre –um poço aparentemente sem fundo de calcário. No último fim de semana, o buraco azul foi cenário do Vertical Blue, o principal evento do esporte, com 35 atletas representando 16 países.
Mas, às 11h10 da manhã de segunda-feira, um grupo de 80 pessoas de luto se reuniu na praia em formato de lua crescente. Alguns vieram com flores e começaram a distribuí-las. Três mulheres deram os braços sob um guarda-sol. Uma canção do The Shins era tocada pelo sistema de som usado para anunciar os mergulhos durante a competição.
Todos os demais vestígios da competição desapareceram, incluindo a plataforma onde foram realizadas as tentativas de reanimar Mevoli no dia anterior.
Os mergulhadores presentes eram alguns dos melhores e mais experientes do mundo, mas eles reconheceram que sabem relativamente pouco sobre o protocolo de segurança de seu esporte.
“Como há muito pouca informação médica apropriada sobre compressão pulmonar, nós apenas achávamos que sabíamos os riscos”, disse Board, o recordista britânico. “Nós apenas mergulhamos baseados em um ‘feeling’.”
Um por um, os membros da fraternidade de mergulho livre deram um passo à frente para dizer algo. “Ele sempre quis prender sua respiração e mergulhar”, disse Ren Chapman, o parceiro de treinamento de Mevoli. “Essa era a vida dele.”
William Trubridge, um recordista mundial e organizador do Vertical Blue, lembrou do dia em que ele e Mevoli mergulharam com snorkel em Honduras. Trubridge viu uma tartaruga e começou a tirar fotos. Mevoli tomou a câmera e disse para Trubridge desfrutar o momento, para nadar com a tartaruga.
Ao final da cerimônia, os presentes nadaram juntos até o centro do buraco azul e formaram um círculo sobre as profundezas escuras sob seus pés. Eles aspiraram coletivamente e mergulharam.
O grupo bateu e chutou as águas em celebração. Alguns cerraram seus dentes em fúria, outros riram. A água se encheu de espuma.
Tradutor: George El Khouri Andolfato