Seu Pedrinho é uma figura que todo mundo conhece na pequena Areal, em Mata de São João, na Bahia. É dono de um bar que recebe dois clientes numa tarde calorenta de domingo. Ele também é o único responsável por guardar a chave da capela da comunidade, bem ao lado de seu estabelecimento. A vida passa devagar por ali, quase do lado do luxuoso resort na Costa do Sauipe que já recebe os carrões da delegação da Fifa e o movimento já exagerado das forças de segurança.
Na sexta-feira, a base montada no resort atrairá a atenção do mundo inteiro no evento do sorteio dos grupos da Copa do Mundo no Brasil. Mas a cerca de 3 km de distância, a pacata Areal parece não se importar. Quem vive lá, em uma das comunidades mais pobres da região, não espera que eventuais benefícios sociais caiam do céu em razão da vizinhança de ocasião da festa da Fifa.
“De vez em quando mexem nessa estrada daí, mas nada especial agora para esse evento”, diz João Bonfim, um dos dois clientes que movimenta a tarde no bar de seu Pedrinho.
O pequeno comerciante local também afirma que não pretende se deslocar para as proximidades do complexo que abriga a Fifa, perto dali. Diz que não troca sua tranquilidade de Areal, já se satisfaz por zelar pelo bar e pela capela. Já a segunda cliente do domingo admite que nem sabia do evento, mas que espera ter a chance de ganhar um brinde: “eu adoro bonés, queria um desses de patrocinador”.
Enquanto os carros de vidro escuro com a logomarca da Fifa já cruzam em velocidade a estrada local, galinhas circulam por Areal, desviando de oscilações do solo, de jegues e de telefones públicos destruídos.
A estrada em questão é a BA-099, que bem poderia mudar de nome nesta semana. Apesar dos coqueiros que desenham a paisagem da rodovia estadual que liga Salvador até o litoral norte da Bahia, a pista terá uma característica singular nos próximos dias. Ela virará uma espécie de “Rodovia da Fifa”, tamanha movimentação de carros da organização que lá já trafegam.
Será assim até próximo dia 6, data do sorteio que define os grupos da Copa do Mundo no luxuoso complexo da Costa do Sauípe, em festa que custará aproximadamente R$ 26 milhões, sendo R$ 6,5 milhões pagos pelo governo da Bahia.
Números que pouco fazem a diferença em Areal, onde a placa no acostamento que indica a entrada foi aparentemente escrita a mão. Apesar de tão próximo ao mar, o caminho sinuoso que leva até seus moradores se revela quase como uma trilha a uma região das mais áridas do centro do Nordeste.
Apesar da proximidade geográfica, a cerimônia da Fifa apresenta um abismo de sensações em comparação com Areal. Nada de coquetéis e deslocamentos em carrinhos de golfe. A diversão na vizinha pobre da Costa do Sauipe é outra. “O que fazemos aqui é ir na igreja e levar as crianças na escola”, diz um morador do local, que convidou dois amigos para ver o jogo do Bahia em casa no domingo.
Em Areal, as cercas e portões são feitas de plantas grandes que “protegem” o redor das casas. Uma delas, sem ser tão bem protegida, é até oferecida com o contato de um telefone celular à disposição. O preço? R$ 8 mil.
“Mas ela não está rebocada, não tem nada. É 10 x 15 m. Só comprei o terreno, mas cabe uma cama lá. Tem sofá, produtos pra limpar. Ôxa se dá pra morar”, falou o dono, José dos Santos, pedreiro em Imbassaí, vila ao lado.
Só a tenda provisória comprada para a festa de gala da Fifa na sexta-feira está avaliada em cerca de R$ 4 milhões.