O programa Mais Médicos deve ter um impacto muito pequeno na saúde pública do país, na avaliação do médico cancerologista Drauzio Varella. Isso porque os profissionais estão sendo encaminhados para regiões onde falta tudo, não somente médicos, o que impede a assistência adequada à população.

 “O médico sozinho melhora um pouco a qualidade da saúde, mas melhora muito pouco. Faltam hospitais de referência, faltam condições para atender essas pessoas e encaminhar para os locais que possam fazer o atendimento aos casos mais complexos”, afirmou o médico que por 20 anos dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer (SP).

Mesmo relatando as limitações a que os médicos estão submetidos, Drauzio se diz favorável à ida de profissionais aonde não se tem nenhum. Ele discorda é da mensagem de que o programa tende a resolver os tantos problemas da saúde pública brasileira.

Para o médico, o tom de promoção do programa soa demagógico, especialmente por ‘coincidentemente’ ter sido lançado em período pré-eleitoral.

O termo “Demagogia eleitoreira” foi título de um artigo seu escrito na Folha de S.Paulo em setembro, quando os primeiros médicos estrangeiros começaram a chegar no Brasil. Veja, abaixo, a entrevista completa com o médico:

UOL – Com a importação de médicos estrangeiros para o país, pelo programa Mais Médicos, uma prolongada discussão sobre saúde pública ganhou maior interesse da população. Como vê essa questão?

Drauzio Varella – É um assunto complexo. Lugar que não tem médico tem que ter. Se não tem médico brasileiro, tem que ter médico de qualquer lugar. Sou totalmente a favor. O que eu sou contra é usar isso demagogicamente, colocar isso de uma maneira que parece que vai resolver o problema da saúde pública do Brasil. Não é verdade.

UOL – Mas agora o projeto virou lei e faz parte da realidade brasileira. O que o senhor vislumbra com esses médicos já trabalhando no país?

Varella  – Acho que vai melhorar um pouco porque vai ter gente em lugares onde não tinha anteriormente. O médico sozinho melhora um pouco a qualidade da saúde, mas melhora muito pouco. Faltam hospitais de referência, faltam condições para atender essas pessoas e encaminhar para os locais que possam fazer o atendimento aos casos mais complexos.

 Se há uma imagem que pode ser considerada a marca do programa: a do cubano Juan Delgado, 49 anos, um dos profissionais

UOL – O Sr. crê que se não estivéssemos em um contexto pré-eleitoral o programa seria diferente?

Varella – Acho que existe uma coincidência evidente aí, não é? De repente acontecem umas passeatas e ai apressadamente deslancham esse programa e apresentam isso para a sociedade como a resposta para os problemas médicos do Brasil. É demagogia, né?

UOL – A tendência é que a chegada desses médicos mude a realidade do acesso à saúde para a população?

Varella – Acho que vai melhorar nesses lugares onde não havia médico e passa a ter médico. Melhor do que nada, né? Mas isso é uma medida paliativa com impacto muito pequeno na saúde pública.

UOL – Tendo em vista seu engajamento em questões de saúde pública como o combate ao crack, o senhor crê que a importação desses médicos pode fazer diferença no andamento das próprias políticas de saúde no Brasil?

Varella – Não sei se nessas questões isso pode mudar o curso das coisas.  No lugar que não tem médico e você coloca um lá, ele pode acompanhar os hipertensos, diabéticos, pode fazer um pré-natal decente. Isso tem certo impacto na saúde, mas quando você fala em saúde pública implica em um atendimento muito mais generalizado.

UOL – Por que o Programa Saúde da Família, de atenção básica e o cerne do Mais Médicos, é tão desvalorizado no Brasil?

Varella – Pois é, é uma pena porque esse é um programa maravilhoso. Esse sim tem um impacto verdadeiro, mas infelizmente fica relegado a vontade política de criar mais equipes. A saúde precisa de dinheiro, mas não precisa só de dinheiro. Precisa de gerenciamento, de decisões politicas acertadas e esse é o principal problema.