“Professor, onde você estacionou o seu Porsche?”, é a pergunta do estudante de direito tributário de faculdade particular ao professor Cássio Vieira dos Santos, 49, que é auditor fiscal do município. Com o sorriso amarelo, Santos faz de conta que gosta da piada e responde que tem um Palio 2007.

 Bullying é a palavra usada pelo auditor para falar do “drama” da categoria profissional da qual ele faz parte desde 1989. Segundo Santos, ele e seus colegas estão sofrendo desde a descoberta da Máfia do ISS, maior escândalo de corrupção da cidade de São Paulo desde a máfia dos fiscais, há 15 anos.

A máfia era formada, segundo a prefeitura e o Ministério Público, por quatro auditores, entre eles o chefão da Receita na gestão Gilberto Kassab, Ronilson Rodrigues, que junto com outros três colegas causaram um desfalque estimado em R$ 500 milhões aos cofres públicos.

O grupo cobrava propina de construtoras em troca de desconto no ISS (Imposto Sobre Serviços). Estima-se que os envolvidos tenham embolsado R$ 80 milhões.

O Porsche mencionado pelo aluno é uma referência ao modelo Carrera, bólido avaliado em 300 mil que pertencia ao auditor Luís Magalhães. Mais indiscreto e extravagante membro da quadrilha, ele se declara “viciado em sexo” e curtia se exibir em carrões de luxo e iates.

“Não somos nada disso que apareceu na TV. Somos uma classe profissional responsável pela arrecadação da cidade. Um trabalho técnico e respeitado, que agora confundem com outra coisa por causa de alguns que se envolveram nisso tudo”, diz Santos, que é vice-presidente do sindicato dos auditores municipais de SP.

O mesmo drama é alardeado pelo presidente da entidade, Wilson José de Araújo. “Nossa situação é dramática”, diz.

Outro auditor que não teve o nome revelado viu sua rodinha de amigos num clube tradicional da cidade minguar. Ele acredita que o fato de ser auditor fiscal causou o afastamento dos amigos. “A pessoa trabalha há anos fiscalizando o imposto. Agora sofre esse constrangimento”, disse um outro auditor ouvido pela Folha.

Mas é no exercício da função que os profissionais estão sofrendo as maiores humilhações, dizem eles.

Relatos de profissionais ao sindicato aumentaram após o escândalo. Um deles foi chamado de ladrão em um estabelecimento que sonega impostos assim que visitou a empresa para apresentar um auto de infração com o valor devido.

Wilson diz que não é a primeira vez que ocorrem desvios. “Outros profissionais já foram demitidos, mas nunca um escândalo deste tamanho aconteceu antes”, disse o presidente, que anualmente organiza publicações de livros sobre teorias econômicas e legais na área de tributos.

Segundo Santos, foram frequentes as palestras na Câmara de São Paulo e em outros órgãos para falar de arrecadação de impostos e corrupção.

Ironicamente, entre os palestrantes já esteve o próprio Ronilson Rodrigues, que, antes de ser acusado de corrupção, ajudou a elaborar mecanismos de controle justamente para barrar desvios na Secretaria de Finanças.

Ameaças de comerciantes e empresários devedores também são comuns, mesmo antes da descoberta da máfia. “Tem auditor que, ao apresentar um auto de infração ao devedor, se depara com gente armada”, disse Santos.