“Tô ligado que ‘os polícia’ tão em peso e já sabem quem eu sou” diz Lucas Lima, 17.

De bermuda jeans, camiseta regata branca do UFC, tênis Oakley preto, corrente no pescoço e uma réplica do relógio Invicta no pulso, ele era um dos 3.000 jovens no shopping Metrô Itaquera, no “rolezinho” do último sábado.

Mais do que isso, o adolescente organizou o evento daquele dia, que acabou em confusão, confronto com a Polícia Militar e registros de furtos e roubos.

Desconfiado da ação da polícia, resolveu se precaver. “Vou para casa trocar de roupa e ficar mais apresentável”, disse o estudante do terceiro ano do ensino médio em um colégio público da zona leste que faz bicos como ajudante de pedreiro.

“Rolezinhos” são encontros marcados por redes sociais que atraem centenas de jovens a shoppings. Eles entram pacificamente nos locais, mas, depois, costumam promover correria assustando lojistas e frequentadores.

Os adolescentes se reúnem em grupos de cerca de 20. Passam correndo por corredores entoando batidas do funk. Os que vêm atrás se integram aos demais, numa formação conhecida como “bonde”. 

 Nem sempre foi assim. “Rolês” acontecem desde 2012, mas antes eram chamados de “encontro de fãs” e serviam para que “ídolos” conhecessem os seus seguidores.

Que ídolos? Aqui, leia-se garotos e garotas que não são atores, cantores ou qualquer coisa parecida.
São jovens da periferia donos de perfis “famosinhos” que chegam a ter até 80 mil seguidores no Facebook, como o caso do adolescente Vinicius Andrade, 17.

Com uma quantidade dessas de “fãs”, ávidos por contato, conhecer um por vez seria impossível. Assim nasceram os “protorolezinhos” que cresceram com o tempo.

O melhor lugar para isso, claro, shoppings afastados das áreas centrais da cidade -os mesmos que eles sempre frequentaram.

“Tem que ser em um lugar onde dê pra zoar e tirar foto com o ídolo”, afirma Jhenifer, 17, que foi a sete “encontros de fãs” e passou a frequentar os “rolezinhos” em 7 de dezembro, data do primeiro rolê de que se tem notícia.

De lá para cá, outros cinco já ocorreram, quase todos com registro de correria.

Estagiária de uma empresa no centro de São Paulo, à Jhenifer só falta uma “carteirinha” para completar o perfil da fã perfeita.

Dos R$ 700 que recebe por mês, gasta cerca de R$ 100 em presentes para seus ídolos. Isso, fora o tempo despendido em cartas e recados para eles. Por quê?

“Eles colocam vídeos no Facebook e nos dão atenção. Quero retribuir e que eles saibam que eu existo”, diz.

Entre o “panteão” de ídolos da periferia, está Juan Carlos Silvestre, 16, ou “Don Juan” -como é conhecido na internet desde 2012. O jovem é o preferido de Jhenifer e tem mais de 50 mil seguidores.

A devoção das garotas é proporcional ao tom sedutor do conquistador do Campo Belo, zona sul, que costuma terminar suas conversas com um “valeu gata, beijinho”.

No dia do primeiro “rolezinho”, em 7 de dezembro, em Itaquera, centenas de garotas queriam encontrá-lo.

De lá, Juan saiu com roupas de marca, ursinhos de pelúcia, cartas, perfumes e uma camiseta oficial do Corinthians, seu time do coração.

A vida de celebridade da internet, porém, não parece fazer a cabeça do menino. “Neste ano, vou investir mais na carreira de MC”, diz Juan, com a certeza de sucesso que só os ídolos podem ter.

O mesmo caminho querem trilhar David Maciel, 13, e Rodrigo Micael, 16. Os dois também têm lá suas fãs no Facebook: quase 20 mil cada um deles. Pouco se comparado a “Don Juan”, mas o suficiente para “lotar um pouquinho um shopping”, diz David.

Boné para trás, Nike Shox no pé, camisa de marca e corrente dourada pendurada no pescoço, David costuma ser levado pelos pais até o shopping da zona leste.

Quando soube que o filho tinha fãs, Tatiane Maciel, 30, mãe do garoto, quase caiu para trás. “É impossível ir com ele a uma loja, as meninas nos param a cada minuto para tirar foto”, diz ela, que afirma se preocupar com um possível “ego inflado” do menino.

 Editoria de Arte/Folhapress 

BONDE DO ROLÊ

Nem só de ídolos, claro, são feitos os “rolezinhos” -que ganharam vida própria, transformando-se em baladas.

Lucas não está entre os famosos, mas nem por isso se diverte menos. Em dois rolês anteriores, ele garante ter beijado “16 ou 17 meninas”, perde-se no cálculo.

E a questão política? “Não perco meu tempo em manifestações, os políticos vão continuar roubando”, diz.

Durante duas semanas, a Folha acompanhou a rotina dele e de seus amigos, que convocam os eventos, com o objetivo principal de se dar bem com as garotas.

Lucas não sabia, mas estava “na mira das autoridades” desde o fim do ano passado, quando postou no Facebook a convocação para o “Rolezinho Shopping Itaquera Part 3”, como o nome deixa claro, o terceiro no mesmo local.

Antes mesmo dos garotos entrarem, oficiais de Justiça já aguardavam na porta para cumprir liminar que proibia a realização do evento, sob pena de multa de R$ 10 mil por dia a quem fosse pego fazendo arruaça.

Lucas gasta todo o dinheiro que ganha em roupas de marca, parceladas no cartão.

O centro da sua diversão está no mesmo lugar de onde foi retirado no último sábado. “Vim me divertir, não fiz nada errado, não roubei, não matei e venho aqui há cinco anos”, reclama.

Ele faz parte de um grupo de meninos e meninas que passam os dias conectados no celular e na internet, combinando os próximos eventos. Querem impressionar e disputam quem vai chamar mais a atenção “das cocotinhas” e dos “gatinhos”.

“A gente só quer ver os amigos, conhecer gente, comer no Mc [Donald’s] e acaba apanhando”, diz Letícia Gomes, 15, estudante do segundo ano do ensino médio da rede pública.

O saldo do “rolezinho” de Itaquera, no último sábado, para Lucas: nenhum beijo na boca e um citação de um oficial de Justiça.

“Onde é que eu vou arrumar esse dinheiro?”, diz.