Bombeiros, ambulâncias, viaturas policiais e caos. Esta era a realidade dos paulistanos no dia 1ª de fevereiro de 1974 quando, pouco antes das 9h, começou o incêndio no edifício Joelma, no centro de São Paulo.
O “Saiu do NP” de hoje relembra uma das piores tragédias da história do país, cujas imagens permanecem na memória de quem assistiu, ao vivo ou pela TV, cenas que lembravam um filme-catástrofe.
O episódio foi estampado na capa do jornal “Notícias Populares” logo no dia seguinte ao incidente, que em 2014 completa 40 anos.
Segundo reportagem do “NP”, o estopim do incêndio no edifício Joelma teria sido um curto-circuito no equipamento de ar-condicionado no 12º andar do prédio, que tinha 23 andares.
A partir daí, a correria e o desespero tomaram conta dos centenas de funcionários, que observaram o fogo se alastrar rapidamente devido a algumas divisórias de madeira espalhadas pelos cômodos.
1º.fev.1974/Folhapress |
Pessoas presas na janela do Joelma durante incêndio em 74 |
Inaugurado sete meses antes da tragédia, o edifício Joelma abrigava aproximadamente 2.000 pessoas no dia do acontecido, revelou o “Notícias Populares”. Encurraladas pelo fogo, que poupou apenas os seis primeiros pisos, as vítimas buscaram por socorro nas marquises, nas janelas e até no topo da edificação.
O corpo de bombeiros foi acionado, mas a gravidade da tragédia exigiu também a presença dos helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira) no socorro. Ao chegar ao local, as equipes de resgate avistaram os primeiros corpos carbonizados. Os que não morreram queimados tiveram suas vidas ceifadas pela asfixia causada pela fumaça tóxica que ocupava os espaços entre os andares, corredores e escadas. Na avenida 9 de Julho, o olhar atento de curiosos acompanhava a aflição das vítimas que, para escapar do calor, se despiam ou se atiravam desesperadamente da janela.
O “Notícias Populares” chegou a condenar a atitude de alguns cidadãos que brigavam por espaço a fim de ver do melhor ângulo a queda daqueles que se atiravam do edifício e caíam nas ruas ou no terraço do próprio prédio. Por outro lado, equipes de reportagem também destacaram a solidariedade e a ajuda da população no socorro às vítimas. Seguindo aos apelos da imprensa, empresas, hospitais e população em geral levaram até o local soro, cobertores, remédios, seringas, balões de oxigênio, mantimentos, água e até leite para ajudar feridos com queimaduras.
Informados pelos jornalistas sobre a situação do edifício Joelma populares nas ruas empunhavam faixas pedindo paciência àqueles que ainda aguardavam por socorro em cima das marquises ou no topo da edificação: “Tenham mais calma, o fogo acabou”, era o destaque de uma das reportagens do “NP”.
Dentro do prédio, o cenário exposto pelo jornal do dia 2 de fevereiro de 1974 causou preocupação. Ocorrida na manhã de sexta-feira, a tragédia foi destaque da edição de sábado, que falou em “inferno” e citou o incêndio como “a maior tragédia de SP”.
Ao dedicar mais de seis páginas ao evento, o “Notícias Populares” publicou na capa “mais de duzentos torrados no edifício”. A partir do relato dos homens do corpo de bombeiros, as reportagens retratavam o estado do interior do prédio, o número de mortos, as causas do incêndio e também traziam relatos de resgate. O trabalho de reconhecimento dos corpos no necrotério e o drama de amigos e parentes após o fogo também foram lembrados.
Casais que morreram abraçados, pessoas pisoteadas nas escadas enquanto tentavam correr em direção a rua e corpos carbonizados foram constantemente citados nas reportagens. Da mesma forma que relatos informando que policiais utilizaram até megafones e se juntaram à população na tentativa de acalmar aqueles que ameaçavam se atirar. O “Notícias Populares” destacou o caso do coronel H.B., do policiamento de trânsito, que convenceu um homem a não pular do 17º andar.
Após horas de intensas labaredas, pessoas ainda esperavam ser retiradas pelos helicópteros da FAB, que nem sequer podiam pousar no topo do prédio em razão da fragilidade na estrutura do Joelma. Apesar do uso limitado da escada Magirus, que chegava apenas até o 13º andar, os bombeiros conseguiram retirar com vida três pessoas do 21º andar quando já passava das 14h.
O esquadrão de salvamento resgatou com êxito um grupo no 18º andar, subindo andar por andar com outro tipo de escada _a mesma pela qual foi feita a retirada dos sobreviventes.
Ao mesmo tempo em que noticiava o trabalho “heroico” da corporação, o jornal ajudou a divulgar a relação dos nomes daqueles que eram encaminhados para os hospitais da redondeza.
No segundo dia de cobertura, a redação do “NP” listou o nome de 223 pessoas internadas nos seis hospitais da região.
O jornal também publicou a relação dos mortos. A reportagem falou inicialmente em mais de cem vidas perdidas no primeiro dia. Já no segundo, a redação subiu o tom e afirmou serem mais de 200 mortos. Até as 14h do dia do incêndio, o “NP” revelou que mais de 60 corpos já haviam sido encaminhados para o necrotério do Gabinete Médico Legal do Araçá. “Em cada andar do prédio, uma dezena de cadáveres”, era o destaque do dia 2 de fevereiro. A partir daí, as reportagens focaram no trabalho dos médicos legistas, na identificação dos mortos e na aflição de parentes e amigos na busca por mais informações.
As dezenas de mortes que chocaram a cidade ganharam atenção do “NP” durante algumas semanas seguintes ao acidente. A cidade, que dois anos antes do Joelma já havia sofrido com a morte de 16 pessoas no incêndio do edifício Andraus (em 24 de fevereiro de 1972), concentrava a atenção na apuração das causas da tragédia. A movimentação das autoridades municipais acerca das medidas cabíveis ao caso também foi acompanhada de perto pelo “Notícias Populares”.
A tragédia no edifício Joelma reabriu o debate sobre segurança predial e provocou transformações nas normas de prevenção e na concepção geral de resgastes de risco.
Ainda hoje, o desastre é o mais grave da história na maior metrópole do país. Uma semana após o acidente, a Prefeitura de São Paulo aprovou o Código de Edificações do Município, que regulamentou a ocupação de edifícios. Pela primeira vez, os prédios foram obrigados a utilizar chuveiros automáticos na segurança contra o fogo. O código também normatizou a armazenagem de materiais dentro das edificações, estabeleceu a existência de escadas de incêndio e obrigou a colocação de um sistema de escoamento e saídas de emergência.
A partir de então, cada edifício também deveria ser projetado de modo que helicópteros pudessem pousar com segurança em seu topo. Ao contrário da combustão no Andraus, no qual muitas vidas foram salvas devido ao resgate aéreo direto do teto do prédio, o edifício Joelma não dispunha de estrutura capaz de suportar o peso de aeronaves. O fogo que matou dezenas de pessoas e deixou mais de 300 feridos também resultou em mudanças nas equipes de resgate. Com 188 mortes, o incidente no edifício serviu de alvo de críticas do próprio Corpo de Bombeiros, que na época se queixou do sucateamento de sua estrutura.
Em fevereiro de 1974, os bombeiros dispunham de 14 postos. Em 2013, dispunham ao menos de 45 em toda a cidade. Já o atual edifício Joelma, que trocou de nome e de número, conta com estrutura bem diferente. Localizado hoje no número 182, e não mais 184 da rua Santo Antônio, o edifício Praça da Bandeira (que também tem entrada pela avenida Nove de Julho) conta com extintores de incêndio, saídas de emergência, portas corta-fogo, antecâmara e sinalização própria para deficientes visuais.