Por 53 minutos, o blog entrevistou pelo telefone Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, o Laor, presidente licenciado do Santos. Ele falou mais e sobre mais assuntos do que esse blogueiro esperava. Comparou a carta que assinou autorizando Neymar pai a conversar com outros clubes a um sorvete, de tão insignificante que é, em sua opinião. Disse que não quer mais olhar na cara do parente do atacante, a não ser nos tribunais. Contou detalhes da renovação do último contrato do craque, como um tapa na mesa que alega ter dado ao ouvir do pai que levaria o filho para o Corinthians. Classificou de imoral o fato de Neymar ter compromisso com o Barcelona antes da final do Mundial. Sobrou até para Mano Menezes, Andrés Sanchez, Willian José, conselheiros que ‘não conseguem se eleger como síndico’ e para o modelo de administração santista, via comitê de gestão. Confira.
Qual sua opinião sobre alguns conselheiros pedirem o seu impeachment?
Impeachment por quê? Não roubei, não prevariquei não quebrei padrão de conduta ética nenhum, qual a justificativa? Impeachment é quando você tem algum presidente ladrão ou que desviou dinheiro, ou que se aproveitou. Moro num apartamento há 28 anos, uma cobertura do tempo em que estava casado. É uma cobertura grande. Moro sozinho e estou vendendo a cobertura pra ir para um apartamento menor porque não tenho dinheiro para pagar o condomínio. Tenho um automóvel que tem seis anos e não tenho dinheiro pra trocar. No período que fiquei fora [para presidir o Santos], infelizmente botei a minha empresa na mão de um contraparente que me deixou um prejuízo de R$ 500 mil. Toda a reserva eu tinha acumulado ao longo da vida foi embora. Então, do ponto de vista prático, material, o meu período no Santos foi a maior burrice. Estou com dificuldade de sobrevivência, estou orgulhoso de conquistar os títulos que consegui. Mas na parte econômica só me ferrei. A minha situação financeira é muito mais complicada hoje do que quando assumi o Santos. Então, vão pedir o meu impeachment por quê?
Dois argumentos são: gestão temerária e a carta autorizando o pai do Neymar a tratar com outros clubes.
A carta pro pai do Neymar não tem o menor sentido e não diz nada. Foi escrita pelo Luciano Moita, advogado do Santos e membro do Comitê de Gestão. Ficamos negociando por oito horas seguidas. No final, o Neymar pai disse: ‘eu garanto que ele fica até 2014. Em 2014, ele possivelmente saia porque é meu desejo que ele vá jogar na Europa’. Entre parênteses, é meu [do pai] desejo que ele ganhe muito mais do que ele ganha aqui, fecha parênteses. Ele disse: ‘queria que você me desse liberdade de eu não esperar 30 de junho de 2014 pra conversar com eventuais interessados’. Eu disse: ‘conversar você conversa com o Diabo, se você quiser. Eu não tenho nenhum poder sobre você. Mesmo porque, para eu controlar e impedir que você converse com quem quer que seja, eu teria que dormir com você, tomar banho com você, sair com você, ir trabalhar com você. Senão, como vou saber com quem você falou e o que falou?’ Então, a carta é clara, está em negrito: o contrato vige até 2014. Portanto, ele não poderia assumir compromisso nenhum antes do final do contrato. Conversar ele poderia conversar, poderia conversar com o Obama, com a primeira ministra da Alemanha. Eu posso impedir isso? Não. Então, essa carta não afeta em nada os direitos do Santos. Se é verdade, e hoje eu acredito que seja, embora ele tivesse desmentido esses anos que tivesse recebido um tostão de quem quer que seja, aí configura um assunto grave, tem que ser processado e levado para a Fifa. Você não pode ser empregado de dois senhores. Se você tem um contrato com o Santos e recebe dinheiro de outro time, que ainda vai ser adversário do Santos na final do Mundial, não é ético, não é decente, não é legal. E nós estamos tomando as providências, contratando advogado na Espanha, aqui no Brasil uma liminar foi negada, estamos recorrendo. Então, dizer que essa carta é motivo de impeachment, é brincadeira. Impeachment deveria ter tido o Marcelo Teixeira [ex-presidente do Santos] quando assinou com a DIS a cessão de sete jogadores da base por um valor absolutamente ridículo, inclusive o Ganso.
O pedido de impeachment é só um ato político?
É gente que quer aparecer, o ser humano tem muito ciúme do sucesso dos outros, mesmo quando o sucesso é do seu clube. Havia quanto tempo esses caras [conselheiros que pedem o impeachment] não vibravam como naquela noite de junho em que o Santos foi campeão da Libertadores? E quem era o presidente? Era eu. Quem ganhou o tricampenato paulista depois de quase 28 anos? Fui eu. Então, isso desperta inveja, ciúmes. E eu não dou bola para isso. Toco a minha vida. Estou licenciado até junho, não sei se volto, vai depender menos de mim do que dos médicos. E se voltar seria por muito pouco tempo, vou pesar isso também. E eu digo que o Odílio Rodrigues está fazendo uma gestão muito boa, o time está muito bem.
Uma das críticas que conselheiros fazem ao senhor, e o José Barral, presidente do Grupo Sonda, fez também, é sobre o senhor ceder demais aos desejos de Neymar pai.
Se ele fosse presidente do Santos poderia dar uma porrada na cara do pai do Neymar. Mas o presidente sou eu. E eu tenho o meu jeito. Fui eleito com 87% dos votos depois de dois anos de gestão. Prova de que os sócios aprovam meu jeito de administrar o clube. Nossas dividas estão equacionadas, pagamos o Marcelo Teixeira, não atrasamos pagamento de salário e imagem, somos referência no Brasil todo. Agora, tem o ciúme e o ciúme de homem é pior que de mulher.
O senhor declarou que a carta autorizando o pai do Neymar a tratar com clubes interessados não existia. Depois, o pai do Neymar mostrou a carta…
Foi um negócio tão sem importância, e a redação da carta é tão neutra, não fala absolutamente nada. Seria inútil proibir ele de falar com quem quer que seja. O que está claro ali é que ele não tem o direito de estabelecer nenhum fechamento de negócio antes do fim do contrato. É o que a Fifa fala também.
O senhor não lembrava da carta?
Não lembrava porque isso foi feito nos últimos cinco minutos de oito horas de negociação. Se você pegar, ela está rubricada pelo jurídico, por todo mundo. E a autoria da carta não é minha.
De quem é a autoria, do pai do Neymar?
Não, do Luciano Moita.
Nessa época não exisita formalmente o comitê de gestão. Quando ele foi criado, foi avisado da existência dessa carta?
Não. Como não foi avisado que tinha acento circunflexo no terceiro parágrafo. Foi avisado dos termos da negociação: Neymar é nosso até 2014, vai ganhar R$ 6 milhões de luvas, R$ 150 mil de salário, vai ganhar 90% dos contratos de publicidade. A essência do contrato foi previamente discutida com o comitê de gestão. Agora, se está no contrato que ele não pode tomar sorvete Chicabom [de chocolate], isso não é motivo para o Comitê de Gestão se preocupar e tomar decisão. E a carta é isso, libera [Neymar pai] para combinar de tomar sorvete de chocolate depois de vencido o contrato. Eu não poderia impedir isso. Seria estúpido. Ninguém conseguiria impedir isso. Aliás, o melhor exemplo disso… Você pega o Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians que dizia ser leal a mim e que quem assediava jogador era o São Paulo. Ele confessa no livro dele que assediou o Neymar com R$ 100 milhões. Ele é um criminoso autoconfesso. Então, como vou impedir, isso? Então, a carta não tem efeito prático absolutamente nenhum. Com carta ou sem carta conversa com quem quiser, como conversou com Andrés Sanchez. Aliás, preciso te contar que na véspera do fechamento da negociação [renovação de contrato], num determinado momento, eu apelando para que o pai deixasse o Neymar mais tempo com a gente, aleguei patriotismo. Falei, ‘o Neymar vai ter chance de ser campeão olímpico, mundial, ser o melhor do mundo jogando no Brasil e nós vamos ter orgulho de pela primeira vez não cedermos à tentação de colocar dinheiro no bolso no lugar de segurar um jovem jogador’. Ele [pai do Neymar] falou: ‘patriotismo não. Então levo [Neymar] para o Corinthians’. Quando ele falou isso, dei um tapa na mesa, falei ‘acabou a conversa’. Levantei e fui embora. Era aniversário do meu neto em São Paulo. Subi a serra convicto de que tínhamos perdido a batalha. Cheguei em São Paulo com uma cara de cadáver. Chamaram médico e me deram remédio. No dia seguinte, cheguei a Santos e estava o pai do Neymar me esperando. Eu disse para a secretária que não falaria com ele. Aí o Odílio falou pra gente conversar, e eu aceitei o conselho. Daí começou a negociação final. Foi um desaforo, uma ofensa. Pode até levar para o Corinthians, mas você não joga isso na cara de um santista. Ele só pensa em dinheiro.
Isso é outra coisa que algumas pessoas cobram do senhor. Dizem que antes o senhor só falava bem do pai do Neymar e que agora só fala mal.
Eu tratava maravilhosamente. Por uma razão simples: ele é pai do melhor jogador do Santos, do maior patrimônio que o Santos tem. Vou brigar com ele e o filho vai embora por conta disso. Não sou idiota. Estou com 71 anos, já aprendi a negociar… Já negociei a dívida do Brasil junto ao FMI, em Washington. Não nasci ontem, vou tratar mal o pai do meu maior ídolo? Isso não significa que ele conseguia tudo que queria. Nós tínhamos assinado um contrato com aquela empresa de promoção da Globo para criar camarotes atrás do gol. Ele queria que ali fosse o Camarote Neymar. Os acertos seriam dele. Ele pagaria para o Santos 10% do que pagaria o pessoal da Globo. Eu disse: ‘não, vá para o inferno. Os interesses do Santos são maiores do que qualquer um. Isso foi no meio do contrato, faz um ano e meio. Tenho impressão de que se desse corda ele iria querer ganhar participação na venda de pipoca do pipoqueiro lá na rua. Agora, eu atendo bem. É o meu jeito, tenho educação.
O senhor se sente traído pelo Neymar pai e pelo Barcelona?
Eu me sinto traído pelo pai. O Barcelona entrou de esperto. Ele é que não poderia ter aceitado, se é que aceitou, esse dinheiro enquanto ele tinha contrato com o Santos. Você vai jogar contra a Portuguesa de Desportos e recebe algum dinheiro da Portuguesa. Isso é indecente, é imoral.
E o Barcelona, não assediou também?
O Barcelona está na dele. A gente fez assédio ao Montillo e a gente trouxe o Montillo. A gente fez assédio ao Leandro Damião, que estava sob contrato. Isso é normal. De que o Barcelona desejava o Neymar não tenho dúvida. Mas, mais do que o Neymar, ele queria ferrar o Real Madrid. Então, ele jogou do jeito dele. Eu não faço isso.
O que o senhor sentiu quando soube que o Neymar firmou um compromisso com o Barcelona antes do Mundial?
Fiquei sabendo disso faz pouco tempo e fiquei indignado. Para mim, as relações pessoais estão cortadas. Não quero mais ver a cara do pai do Neymar, só no tribunal.
E se o senhor soubesse disso antes do Mundial, não teria deixado o Neymar jogar?
Não teria deixado e teria feito uma denúncia à Fifa no ato.
Tem mágoa do Neymar Júnior?
Não, ele me trata meio como pai, como avô. Entrou na do pai. Ele entregava tudo quanto era dinheiro para o pai. Era o pai que resolvia tudo. Contei para você, acho que contei. Depois daquela sacanagem que o Mano Menezes fez tirando o Neymar quando faltavam cinco minutos para acabar aquela partida da seleção [1 a 0 sobre a África do Sul, em 2012] no Morumbi… Tirou para ele sair debaixo da mais ensurdecedora vaia que já se ouviu no Morumbi. Aquilo foi uma sacanagem de abalar o amor próprio de qualquer um. Tenho certeza de que aquilo abalou o amor próprio do Neymar. A partir daí, ele mudou o jeito de jogar, o jeito de sorrir. Ele estava infeliz. E os últimos seis ou dez jogos que ele fez pelo Santos e não marcou gols, estava evidentemente constrangido. Então, como não sou escravocrata, chamei o Neymar pai, o Odílio e o Neymarzinho no meu apartamento. Eu, doente, perguntei olho no olho: ‘Neymar você está querendo ir embora do Santos?’. E ele com os olhos baixos, próximo das lágrimas, falou: ‘Presidente, estou querendo’. Foi a primeira vez que ouvi isso dele, porque durante dois anos o pai queria que ele fosse embora. E eu convenci o Neymar a ficar. Mas dessa vez ele falou que queria. Então, disse: ‘vou respeitar sua vontade, mas vou fazer o melhor negócio possível para o Santos. Tem um mecanismo para você sair, que é pagar a multa. Então paga a multa, eu não tenho mais o que falar.’ Nós tínhamos cinco sondagens. Eram o Bayern, dois ingleses, Real e Barça. Eu disse: ‘quero saber para onde você quer ir. Você vai para quem pagar a multa”. Ele disse que queria o Barcelona. Aí começou todo o processo de negociação. Como eu estava doente, foi o Odílio que conduziu todas as negociações a partir daí com plena autorização do Comitê de Gestão e minha. Odílio conduziu o negócio da forma mais brilhante possível.
O senhor se sente traído no Santos?
Ninguém me deve lealde. Todos eles (conselheiros) foram eleitos, tirando os efetivos, porque eu tive 87% dos votos. Se você olhar nome por nome desses caras, eles não se elegeriam síndico do prédio em que eles moram. Entraram na chapa criada por mim e pelo Odílio. Cometi um equivoco muito grande e não me dei ao cuidado de examinar os nomes que estavam na chapa. Tivesse feito isso, hoje 30% não fariam parte da minha chapa. Mas o Odílio achou que a gente deveria manter o mesmo princípio da primeira eleição e encarregou o Caio de Stefano [ex-membro do Comitê de Gestão]. Isso foi um desastre. Escolheu amigos dele, gente que não poderia estar.
O senhor foi um dos maiores defensores da criação do Comitê de Gestão. Hoje tem dúvidas se essa é a melhor maneira de administrar o clube?
O Comitê de Gestão, tal como está no estatuto, dilui responsabilidades e ao mesmo tempo mantém a responsabilidade do presidente. Ele que responde. Outro dia, me ligaram do banco para me cobrar R$ 400 mil e tanto de um aval que tinha dado numa operação de crédito. O departamento financeiro tinha atrasado um ou dois dias. Eu era o responsável por pagar, não o comitê. Outro exemplo, aquela hsitória do Willian José. Fui absolutamente contra. Descobri que tinha uma sacanagem de dinheiro de investidor e denunciei. Apesar da minha manifestação vigorosamente contra, num dia em que eu não estava lá aprovaram a contratação desse cara. E esse cara não fez nada, ajudou a atrapalhar o ataque do Santos, foi um péssimo negócio. Então, o presidente é responsável, o torcedor conhece só o presidente, vai cobrar dele. No Santos, o torcedor só conhece a mim e Odílio. E o nosso voto é igual ao de qualquer um. Basta que os outros se reúnam numa turminha, como já se reuniram, para derrubar a opinião do presidente e do vice. Tá errado, não é assim que se administra uma empresa, um clube de futebol. Então, hoje tenho sérias restrições ao modelo que foi implementado pelo estatuto novo. Não tenho mais dúvida de que não funciona.
Nota do blog: o blog telefonou para o pai de Neymar, citado diversas vezes, mas ele não atendeu ao celular.