Quando vejo o destaque que se dá para a invasão de propriedades e a dificuldade do Poder Público para desalojar essas pessoas, fico pensando no caminho que trilhamos até chegarmos ao estágio atual, com a total liberdade de direitos. Lutamos em busca da liberdade e nem todos entendem que ela traz, junto, um valor implícito, que é a obrigatoriedade de respeitarmos os direitos alheios.
Se a atual liberdade nos custou esforços, dores e muita luta, o que vemos hoje é o desprezo por essa luta e uma inversão de valores. A todo instante constatamos abusos e o total desrespeito aos direitos alheios, sejam eles do bem público ou da propriedade privada. Assim, o delito pode vir na forma simples de uma pichação, do vandalismo, da destruição, da invasão. O que predomina é “meu interesse, a minha vontade, o meu pensamento, os meus direitos”. O coletivo fica em segundo plano, e o que predomina, pelo menos na concepção dessas pessoas, é a individualidade.
Em nome dessa individualidade, movidos pela carência, incentivados por lideranças cujos reais objetivos nem sempre estão claros, essas pessoas desprezam os direitos alheios, direitos de pessoas que em nada se diferenciam delas. Sem perceber, ou até mesmo movidos pelo oportunismo ou pela desonestidade, essas pessoas se deixam levar, e se passando por vítimas, não perdem a oportunidade de tentar tirar proveito da situação.
Os recentes acontecimentos ocorridos na zona leste paulistana mostram mais uma face desses abusos. Famílias carentes esperaram durante anos até que um conjunto habitacional ficasse pronto. Mas os oportunistas não tiveram tanta paciência. Eles desprezaram o direito alheio, ignoraram a condição de também carentes dos demais e promoveram a invasão. E depois, quando a Justiça determinou a desocupação dos imóveis, eles enfrentaram a polícia, incendiaram, quebraram e destruíram muitos dos apartamentos. E aqueles que estavam prontos para receber a moradia deverão ficar mais tempo à espera; e a sociedade terá que arcar com mais um custo.
Na gestão do falecido governador Mário Covas, ocorreu uma grande mudança no sistema de entrega das casas populares, construídas com recursos públicos. Desapareceu o apadrinhamento e a entrega passou a ser feita por sorteio, com a documentação em nome da esposa, evitando que o marido pudesse incorrer no erro de se desfazer do imóvel, deixando a família sem moradia. E agora, o que vimos na zona leste foi a tentativa de se jogar por terra tudo o que estava feito.
Em nome dessa falsa individualidade deixamos de lado o civismo, o respeito às normas, o direito alheio e mais do que isso, a nossa condição de civilizados. É este o quadro que estamos passando às próximas gerações. É esta realidade que nos machuca e que nos obriga a perguntar se valeu a pena. E, baseados no que vemos, movidos por uma imensa dose de decepção, fica fácil dizer: ‘valeu a pena’, mas o verbo fica no pretérito e não nos atrevemos a colocá-lo no futuro.
*deputado estadual (PPS), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado