“Não há nada de errado com você, senhor”. Disse o doutor àquele senhor que vinha visitá-lo todos os dias. Não se passava um dia sem que o senhor viesse visitar o médico, que começava a se irritar com a situação.
Todas as manhãs, quando se aproximava do consultório, lá estava aquele velho senhor sentado na calçada, aguardando por uma consulta. As recepcionistas já se acostumaram a ver o senhor todos os dias, até sentiam certa simpatia pelo velho.
Entretanto, o médico não sentia o mesmo, não gostava de ver aquele velho todos os dias perguntando sobre o mesmo assunto, esperando pelo mesmo exame, embora soubesse qual era o resultado, todos os dias.
Durante dias e semanas e meses o doutor aguentou aquela situação. Era rotineiro ter que examinar o velho senhor, todos os dias o mesmo exame e a mesma resposta: “Não há nada de errado com você.”
Acostumou-se a dar aquela resposta, como um atendente de posto de pedágio que repete “Boa viagem” centenas de vezes no dia. Não se preocupava mais em perguntar como o velho se sentia, ou o que o velho imaginava ter, não adiantava mais, ouviria a mesma desculpa de antes. “Doutor, me sinto estranho e, às vezes, vazio. Acho que estou doente”, era o que o velho dizia todas as manhãs para o médico.
No começo o doutor se preocupava com o velho, talvez estivesse passando por necessidades emocionais, ou sofria de algum problema de memória. No começo o doutor se preocupava em examinar o velho e tentar ser o mais profissional possível. As várias dezenas de minutos que gastava examinando o velho foram se dissipando e se transformando em duas dezenas, uma dezena, ou simplesmente cinco minutos.
Apenas olhava o senhor e dizia que nada havia de errado, começava a se preocupar menos ainda em examinar o senhor, apenas fingia examinar, ou simplesmente não sabia se aquilo que fazia era um exame.
Deixou de se preocupar com o velho, apenas olhava para o senhor e dizia que nada havia de diferente. Cada vez menos preocupado. Cada vez menos cuidadoso. Cada vez menos médico.
Entretanto um dia a rotina mudou, as recepcionistas sabiam que algo não estava certo, faltava alguma pessoa naquele consultório, e, após um telefonema, tudo que havia de rotineiro se desfez. O médico havia sido assassinado pelo velho, um psicopata.
A verdade está lá fora.
*escritor