É preocupante constatar que os dados acumulados da indústria têxtil e de confecção paulista no primeiro bimestre de 2014 indiquem a persistência dos problemas que, nos últimos cinco anos, provocaram a extinção de 121 empresas do setor no Estado de São Paulo. Em relação aos dois primeiros meses de 2013, o valor FOB das importações cresceu 20,7%, ante uma queda de 6,3% das exportações. Resultado: o déficit da balança comercial setorial deu um salto de 27,2%.
A questão é mais aguda se considerarmos que o resultado inicial de 2014 segue-se a um saldo negativo acumulado no ano passado de US$ 1,5 bilhão. Esta cifra insere-se num contexto em que as importações de têxteis e confeccionados, em termos nacionais, aumentaram 23 vezes entre 2003 e 2013, passando de US$ 100 milhões para US$ 2,375 bilhões. Como consequência desses números, assiste-se a um processo de desindustrialização setorial, cujo epicentro parece estar localizado em São Paulo, onde, em 2013, a produção física de vestuários diminuiu 11,3% e a de têxteis ficou estagnada, com um pífio avanço de 0,4%.
Estamos pagando um preço muito alto pela resignação de nossas políticas públicas à radical mudança do cenário do comércio exterior a partir da crise internacional de 2008. As nações exportadoras reagiram rapidamente, ajustando mecanismos fiscais e cambiais a um novo patamar de competitividade, compatível com o acirramento na disputa por mercados mais restritos. O Brasil, na contramão de tudo isso, manteve seus impostos estratosféricos, juros altos, taxa de câmbio que somente nos últimos meses tornou-se um pouco menos severa contra as exportações e todos os históricos ônus incidentes sobre a produção.
Abriu-se um hiato de competitividade entre a nossa indústria e seus concorrentes externos. Perdemos espaços nas vendas globais. Mais grave do que isso tem sido a impossibilidade de defender nosso próprio mercado interno, o oitavo maior do mundo, hoje abastecido, cada vez mais, por têxteis e confeccionados produzidos nos países que souberam adequar-se mais rapidamente às transformações do mundo. Setenta e cinco por cento das importações provêm da China.
Os números relativos ao crescimento do déficit comercial, à queda da produção e ao fechamento das empresas têm um viés social inquietante, pois começam a ter repercussão no mercado de trabalho. Se projetarmos essa tendência para toda a indústria de transformação, podemos ter a reversão do indicador que ainda segue mantendo viva a economia brasileira: o baixo índice de desemprego. Até quando?
Para os trabalhadores da indústria têxtil e de confecção paulista o impacto é ainda maior, porque seus salários são mais elevados do que em outros estados. Explico: em São Paulo, as empresas do setor disputam a contratação de mão de obra com indústrias de outros ramos de elevada tecnologia. Ou seja, pagamos mais para ter recursos humanos qualificados. Isso também tem impacto, por um lado, na perda de competitividade e, por outro, na redução da massa salarial. O saldo da geração de postos de trabalho no setor em São Paulo no primeiro bimestre de 2014 (3.473) já é menor do que em igual período de 2013 (3.663).
Os elevados investimentos em tecnologia, design, materiais, tecidos e corantes ecologicamente corretos e saudáveis para os consumidores não se sobrepõem ao fator preço na disputa mundial pelos mercados. Ante a ausência de políticas públicas que nos devolvam a competitividade, nosso próprio consumidor é submetido a produtos de qualidade invariavelmente inferior ao de fabricação nacional. A sociedade jamais fica imune às desventuras da economia!
*engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP, é empresário e presidente do Sinditêxtil-SP