Recordista mundial em cesarianas, o Brasil precisa acabar com a violência durante o parto para que gestantes percam o medo de parir naturalmente. Para isso, é preciso acelerar a formação dos profissionais da rede de saúde e atender bem a gestante, oferecendo conforto no momento em que ela estiver dando à luz. A avaliação é de especialistas na área de obstetrícia, que se reúnem hoje (13) e amanhã (14), no Rio de Janeiro, em conferência internacional para 1,3 mil pessoas.
Pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maria do Carmo Leal lembra a Pesquisa Nascer no Brasil: Inquérito Nacional Sobre o Parto e Nascimento para listar fatores que fazem o país ter 56% de partos cesarianos, enquanto a média mundial é de 18%. Revela que as gestantes brasileiras são proibidas de caminhar e de se alimentar para aliviar contrações, recebem ocitocina (hormônio sintético) para acelerar o parto e passam por procedimentos como episiotomia (corte vaginal para aumentar a dilatação) e ruptura artificial da bolsa.
“Essas coisas acontecem sem nenhuma anestesia, com as mulheres sofrendo muito, de forma que elas tenham pavor óbvio do parto normal”, analisou a pesquisadora. Entre 2011 e 2012, ela coordenou a pesquisa com 23 mil mulheres em todo o país. Conforme Maria do Carmo, as mulheres ficam na “pior posição possível” na hora do parto. “Elas ficam deitadas e, apesar de ser lei federal, muitos hospitais, públicos e privados, não permitem a entrada de um acompanhante. Ou seja, o Brasil não não estimula um bom parto”, salientou.
A pesquisa Nascer do Brasil, que acompanhou mulheres e bebês, revelou que, no início da gravidez, seis em cada dez mulheres preferem parir naturalmente. A avaliação muda durante a gestação e, principalmente, na hora do parto, por causa da violência, explica a enfermeira obstétrica Heloisa Lessa, com doutorado na área. “O melhor ambiente para o parto é aquele parecido com o local onde o bebê foi concebido, com luz baixa. A mulher tem de se sentir tranquila”, explicou. “Se ela estiver relaxada, vai parir melhor”, assegurou.
Maria do Carmo e Heloísa Lessa destacaram que, entre as vantagens do parto normal, estão a redução da morte materna, de complicações hemorrágicas e infecciosas. Para os bebês, diminui o risco de morte intrauterina, complicações respiratórias e problemas como asma e obesidade na infância. Pesquisas com esses indicadores serão apresentadas no evento. “Temos de trazer as evidências para quem está na ponta colocar em prática”, assinalou Heloisa.
As especialistas acreditam que as mulheres estão mais conscientes dos benefícios do parto normal e têm cobrado o sistema de saúde. Para a enfermeira, o próximo passo é exigir das redes pública e privada que o parto normal possa ser feito em casa. Ela também defende a ampliação do número de casas de parto. No Rio, apenas uma está funcionando.
Na quinta-feira (15), para diminuir o número de cesáreas desnecessárias, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar publicarão consultas públicas sobre duas resoluções. Uma delas prevê a apresentação de um partograma explicando procedimentos feitos durante o parto.