Às vésperas do segundo turno, quem levar a melhor nas urnas pode ter uma certeza sobre o cenário econômico do país que irá governar em 2015: ele é politicamente muito desafiador. Além de vários indicadores de atividade e confiança terem se deteriorado em relação ao que era esperado no início do ano, novos elementos ganham força na reta final de 2014 para compor, como risco ou oportunidade, o horizonte da economia brasileira no próximo mandato. A escassez de água e as iniciativas de racionamento, que comprometem também as perspectivas de oferta de energia; a recente mudança na trajetória do câmbio, pautada pelo panorama de crescimento da economia dos EUA e incerteza sobre uma possível alta no juro americano; a inversão do movimento nos preços das commodities, como petróleo e minério, que passaram a cair no mercado internacional; e as dúvidas sobre se a trajetória fiscal será suficiente para manter o grau de investimento do país aparecem como variáveis importantes para calibrar projeções sobre o ano que vem. A falta de água em São Paulo e a trajetória de desabastecimento dos reservatórios de energia dão ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) “uma perspectiva muito ruim”, diz Vinícius de Oliveira Botelho, do núcleo de análises macroeconômicas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas. “A associação desses cenários representa um risco muito grande para o crescimento de 2015, risco que talvez se prolongue para o ano seguinte”, estima o economista. Marco Maciel, economista-chefe do Banco Pine, mantém no horizonte a possibilidade de um racionamento de água, o que, em sua avaliação, por não ter sido feito com planejamento, no “tempo certo”, pode afetar a produção agrícola, a indústria e as famílias. O economista não descarta o racionamento de energia elétrica, ressaltando que, mesmo sem ele, haverá uso maior das térmicas e, consequentemente, preços mais altos. A questão hídrica tem menos relevância no cenário de Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, que prevê situação menos crítica em 2015 do que o quadro atual. Especialmente em São Paulo, com a autorização para usar mais um pedaço do volume morto e com a perspectiva de chuvas mais perto da média histórica nos próximos meses. “Há risco, sim, de racionamento, mas é menor do que havia no começo de 2014”, afirma. Borges estima também que o risco de racionamento de energia seja menor do que o que a consultoria previa no início deste ano (algo perto de 40%), porque a economia cresce pouco, o que significa demanda mais fraca por energia. Além disso, diz Borges, as chuvas em todo o país, com alguma irregularidade, estão se aproximando da média histórica. “Não significa que os reservatórios vão se recuperar já no ano que vem. Eles vão levar uns três anos para voltar para os patamares normais”. Outro fator importante nas projeções de Botelho, do Ibre, é a queda do preço das commodities pelo mundo, como o petróleo. “Representa, por um lado, uma pressão menor por um reajuste da gasolina no resultado da Petrobras. Por outro, uma queda nos termos de troca e os produtos que nós exportamos estão ficando muito mais baratos”, diz o economista. Os preços mais baixos das matérias-primas podem ainda, na visão do economista do Ibre, reduzir a atratividade de projetos na cadeia de petróleo e mineração, por exemplo, dificultando a tarefa de elevar o nível de investimentos. O economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, também diz que o comportamento das commodities pode ser ruim para a balança. Ele prevê que o boom observado na década passada nas cotações das matérias-primas chegou ao fim; mesmo que os preços não sigam caindo em 2015, não subirão nos patamares antigos. “O que tem sustentado nossa balança comercial são as commodities.” Borges, da LCA, vê um aspecto benigno no cenário de desvalorização das commodities, que ajuda um pouco o processo desinflacionário. “Pode baratear os preços de alguns produtos que consumimos aqui”, diz. O efeito líquido, diz ele, especialmente no caso do petróleo, retiraria algo entre 0,2 e 0,3 ponto percentual de inflação. Lacerda prevê que um viés positivo para o comércio exterior virá da trajetória de desvalorização do câmbio – que se manterá em torno dos R$ 2,50 no ano que vem, e será suficiente para gerar saldo positivo entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, melhor que o saldo zero previsto para 2014. “Atividade fraca e dólar mais alto sugerem queda do ritmo de crescimento das importações”, diz. Botelho, do Ibre, discorda. Para ele, o viés de alta do dólar mantido para o ano que vem não será suficiente para beneficiar a balança comercial brasileira. “Ao mesmo tempo, desfavorece outros [setores] que importavam insumos para produção doméstica, que são as empresas mais inseridas nas cadeias de valor. E encarece o preço de máquinas e equipamentos importados, uma fonte importante de investimento.” A deterioração das contas fiscais do governo brasileiro, com superávit primário cada vez menor, somada à perspectiva de baixo crescimento da economia e da arrecadação de tributos, coloca a análise de risco da dívida brasileira em alerta, diz Botelho. O importante, ressalta o economista, é que a condução da política fiscal no ano que vem seja suficiente para superar a atual dificuldade de manutenção do esforço fiscal no curto prazo, marcada pelo excesso de dependência de receitas extraordinárias. “Com esse eventual rebaixamento, há a possibilidade de uma segunda rodada de desvalorização cambial”, diz Botelho, para quem tal cenário exigiria um aumento de juros para compensar o efeito cambial sobre a inflação. Borges, da LCA, também vê o rebaixamento como possibilidade para o ano que vem. “O grau de investimento está ameaçado, sim. As agências têm sinalizado que isso depende não de quem ganhar as eleições, mas das sinalizações que serão dadas logo após o próximo domingo”, diz. Para ele, é preciso reduzir a percepção de risco do Brasil com sinalizações não só de política econômica, mas também com indicação de nomes para a equipe econômica. Borges diz que o mercado está preocupado porque o governo Dilma ainda não ofereceu nomes. Já no caso de Aécio Neves, diz ele, as incertezas giram em torno de construção de base no Congresso. “Ele vai precisar de pelo menos dez partidos para viabilizar aprovação de reformas, enquanto a Dilma precisa de sete, pois o PT ainda é o maior partido no Câmara.” Maciel, do Banco Pine, diz que, sem uma política fiscal mais contracionista, que eleve o superávit primário para, pelo menos, 1,5% do PIB, há a possibilidade de rebaixamento. “Se isso não for feito, a nota do país pela S&P pode passar de estável para negativa e isso pode acontecer nos seis primeiros meses do ano que vem ou logo após, com as outras agências a reboque”, afirma. Já na visão de Lacerda, o risco de que a nota do Brasil seja rebaixada é muito pequeno. “Muito provavelmente a revisão por parte das agências só tende a ocorrer em 2016, já que deverão levar em conta a gestão do novo governo”, diz. Para Lacerda, qualquer seja o presidente eleito, a equipe econômica terá o desafio de recriar a confiança da economia e, para isso, apresentar um plano crível de recuperação das contas públicas.