Autopiedade, incapacidade fantasiosa, cárcere autoimposto, castigo, culpa, lamentação, resignação e reclamação. E tudo isso como se tivesse arrastando correntes com pesos de chumbo por onde passa. Esse é o retrato daquele que carrega em si o complexo de vítima.

Um perfil preocupante, justamente por fazer o indivíduo crer que não é capaz de ter a própria vida nas mãos.  Buscam então através das reclamações que alguém se compadeça e os ajudem a mudar a própria vida. Alguns até se compadecem e tentam, mas existem coisas que ninguém realmente pode fazer por nós. Outros tantos sentem pena, repulsa, desprezo e aversão. O que só aumenta a sensação de ser um “coitadinho” realmente.
O coitadinho busca amor, atenção e um salvador, mostrando ao mundo o quanto sofre! Por trás de sua “coitadez”, com frequência se encontra alguém que se acredita muito especial por aguentar isso tudo e que muitas vezes não sai de relacionamentos tóxicos por achar que o outro não sobreviveria sem ele.
Nesse poço de “coitadez” também encontramos muitas fantasias negativas a respeito da realidade e especialmente de si mesmo, aonde não importa a situação, a vida vai ser vista mais ou menos dentro do prisma de vitimismo. Julgando-se inferior e incapaz.
Outro problema é que sabemos que os humanos fazem muitos acordos inconscientes e toda vítima precisa de um algoz se quiser ser vítima. Não raro, esse vai ser o perfil que os sofredores por vocação procurarão (sem saber) para se relacionar. E vejam que triste é relacionar-se com alguém por uma necessidade de desempenhar um papel, e não por amor verdadeiro.
E qual seria o ganho em se viver desta forma? Honestamente não vejo muitos, mas existe um que se destaca além do ganho de atenção: por piedade, os outros tendem a pegar leve com o coitadinho. Passam a mão na cabecinha dele e dizem que vai ficar tudo bem.
Olhem que dinâmica complicada: se você passa a mão na cabeça do “coitado”, você acaba reforçando a crença de que ele realmente é uma vítima. Se você ignora ou retruca, ele vai se sentir desprezado e um grande coitado.
Numa psicoterapia temos que trabalhar para devolver à vítima a responsabilidade pela própria vida. Fazê-la compreender e experimentar outras formas de funcionamento que podem ser muito mais gratificantes e verdadeiras. Ela precisa sim de um salvador, mas esse salvador não será encontrado fora, apenas dentro de si mesma. Em termos psicológicos, é preciso resgatar toda a projeção que ela faz no mundo externo e devolvê-la ao seu domínio de direito. Só fica a mercê do mundo externo quem ainda não se deu conta das forças que possui no mundo interno. No fim das contas, o algoz número 1 da vítima é ela mesma.

*Psicóloga, psicoterapeuta, psicanalista e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.