Não é concebível que ainda hoje exista quem veja limitação nas pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida. Superação é o que deve vir à mente quando nos deparamos com valentes pessoas que travam batalhas diárias nas mais simples atividades, e nem por isso deixam de fazer o que todos fazem. Calçar um sapato, fazer a barba ou dirigir um veículo exigem esforço sobre-humano de muitos cidadãos, que ainda têm que superar o preconceito alheio e o descaso do poder público. Isso em um país que, segundo sua Constituição Federal tem por fundamento a dignidade da pessoa humana e por objetivo fundamental promover o bem de todos sem qualquer discriminação, mesma Constituição que tanto prega a igualdade de todos perante a lei. 

Mas nossa nação tem caminhado relativamente bem, ao menos em nível legislativo, no sentido de garantir uma igualdade plena entre os membros da família humana, criando inúmeros direitos com o propósito de promover a tardia inclusão social e garantir-lhes o desfrute de uma vida normal tanto quanto possível. Lamentável, todavia, haver a necessidade de estabelecer em lei posturas que deveriam ser adotadas espontaneamente, pelo simples respeito ao próximo. Como isso tem se mostrado impraticável, eis alguns direitos conquistados pelas pessoas com deficiência como arma na batalha contra as pessoas com deficiência de espírito.
Nos cargos públicos, um percentual deve ser reservado aos deficientes; empresas com cem ou mais funcionários devem contar com 2 a 5% de empregados nestas condições, sem distinção de salário; no plano da saúde, têm tratamento especial, com vistas à promoção de sua reabilitação e estímulo a uma vida independente, com fornecimento de medicamentos e aparelhos necessários; na educação, contam com o fornecimento de serviço especializado; direito a isenção de alguns tributos, a exemplo do ICMS, IPI e IOF na compra de automóveis adaptados; direito ao acesso gratuito aos meios de transporte coletivos interestaduais. Há, ainda, o importante direito à acessibilidade, tema muito falado e pouco compreendido, em discussão nesta cidade nos últimos dias em razão da comemoração, em 3 de dezembro, do dia internacional da pessoa com deficiência, bem como da feliz iniciativa da Prefeitura em promover o evento “Virada Inclusiva”.
Em princípio, acessibilidade não deve ser vista apenas como meios para o exercício do direito de ir e vir, mas como meios para garantir o ir e vir com independência e dignidade. E neste ponto tem especial importância o município, como agente corresponsável pela efetiva implantação e controle deste direito, sob pena de sanção administrativa e penal pelo descumprimento.
Compõe este direito o atendimento diferenciado e prioritário nos órgãos públicos, nas empresas prestadoras de serviços públicos e nas instituições financeiras, com, por exemplo, reserva de assentos sinalizados; espaços, instalações, mobiliários e telefones adaptados; pessoal capacitado para atender usuários com deficiência visual, auditiva ou mental; área especial para embarque e desembarque; e admissão da entrada de cão-guia.
Além disso, a lei impõe implementação de alterações arquitetônicas e urbanísticas em edificações de uso público ou coletivo, condicionando, inclusive, a concessão ou renovação de alvarás de funcionamento para qualquer atividade. Deve haver observância das normas técnicas da ABNT (“Associação Brasileira de Normas Técnicas”) de acessibilidade nas vias, praças, ruas, parques e demais espaços de uso público (rebaixamento de calçadas com rampas ou elevação da via, instalação de piso tátil direcional e de alerta, mobiliário urbano seguro, etc). Dois por cento dos telefones públicos da cidade têm que ser adaptados.
Em locais com grande intensidade de fluxo de veículos serão instalados semáforos com mecanismos de guia ou orientação. Ainda há necessidade de adaptação dos acessos, piscinas, andares de recreação, salões de festas e reuniões, saunas e banheiros, quadras esportivas, portarias, estacionamentos e garagens das edificações de uso privado familiar e das de uso coletivo. Teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios e congêneres deverão reservar ao menos 2% da lotação para pessoas com cadeira de rodas, em recintos com boa visibilidade e próximo a corredores, além de 2% para pessoas com deficiência visual e com mobilidade reduzida, que garantam a acomodação de, no mínimo, um acompanhante (com direito à “meia entrada”).
O exercício do direito de voto deve ser efetivado em seções adequadas para o uso autônomo. Nas edificações de uso público deve existir no mínimo um sanitário adaptado de cada sexo em cada pavimentação. Nos estacionamentos das edificações de uso público ou coletivo e nas vias públicas pelo menos 2% das vagas devem ser reservadas aos deficientes.
São tantos direitos quanto o número de suas violações. Aqui foram listados apenas alguns e, nada obstante possam parecer em demasia, ainda são insuficientes para corrigir as desigualdades, além de serem reiteradamente desprezados, seja pelo poder público, seja por algumas pessoas não deficientes (basta ver nas ruas os carros estacionados em vagas reservadas). Mas os direitos estão aí, firmados em convenções internacionais, na Constituição Federal, em leis federais, estaduais e municipais, além de decretos do Poder Executivo, e não são favores, devendo ser exigidos, ainda que judicialmente. Nenhum governante está fazendo caridade ao cumprir a lei. Está fazendo o dever que se comprometeu a fielmente cumprir quando lhe foi confiada a direção do país, Estado ou Município, e a população tem que se organizar na fiscalização, podendo contar com o apoio de diversas instituições, à exemplo do Ministério Público, de Associações especializadas, Conselhos Municipais e da Defensoria Pública, criada para assistir os necessitados, que a cada dia vem ganhando o seu espaço e mais cedo ou mais tarde estará em Dracena para se juntar ao coro destes bravos brasileiros que hoje, merecidamente, estão em festa, celebrando suas muitas conquistas e, sobretudo, a vida.

*Defensor Público do Estado de São Paulo que irá proferir palestra sobre Acessibilidade hoje, 6, na Virada Inclusiva