Nunca expressões populares foram tão importantes para resumir manchetes, caras, fatos e fotos que estão se passando à nossa frente de forma e velocidade vertiginosa. As “bovinas” são ótimas. A vaca foi para o brejo (afogada na enchente com uma árvore caída em cima, sem luz nem telefone). Nem que a vaca tussa (e ela parece que está com coqueluche). Conversa pra boi dormir, e nos dar pesadelos. Vaquinhas de presépio fazendo muuu.

Se for ir pelo “ele sabia”, vai ter gente aqui no Brasil se contorcendo toda de medo de ter 12 homens apontando uma arma para eles, e você sabem de quem estou tratando. De quems.
Me lembrei muito daqueles programas de auditório onde um grupo de pessoas escolhe uma das respostas e todos juntos se aglomeram debaixo dela. Aí o apresentador dá outra pista e esse mesmo grupo muda de ideia e corre para a outra alternativa. Ou também me lembra cabeças chacoalhadas. Lulu Santos comporia novamente “como uma onda”. 
Amo que as coisas não sejam estáticas, esclareço logo. Mas há questões – e as morais estão entre elas – que ou se é, e isso significa aguentar os trancos, ou não se é, e as redes sociais misturam ambas. A argumentação lógica e minimamente racional é tratada a sopapos e a beligerância empesteia o ar. Esses dias os Charlies enlouqueceram a ponto de muitos deles tentarem justificar a barbárie do fuzilamento na Indonésia, que matou um, matará outro, outros, sob o bovino olhar de beneplácito da humanidade. 
Justificativas parecidas com a de uma certa Sheherazade quando o menino ladrão quase foi linchado. Esse esquadrão da morte de anjos celestiais acha sempre que os caras fizeram por merecer, e parecem se colocar a si próprios vestes de juízes, como mais puros, honestos, limpos e legalistas do que os outros. Até o Papa andou falando em distribuir umas bolachas caso alguém falasse de sua mãe! Estou esperando agora o Dalai Lama aparecer com a faca nos dentes.
Essa castidade de quinta categoria acaba justificando também o que de mais pavoroso pode haver, que vai desde a menina estuprada porque “provocou” à mulher assassinada porque “traiu”. 
Protestos agora são envelopados – nunca tinha visto isso, coisa que chamam de liberdade para protestar, cercada de policiais armados com escudos e gases até os dentes, desafiadores. A beligerância sempre acaba mal, e os mascarados, baderneiros, sejam o que forem, que estragam a festa, estarão sempre lá, já que uns justificam os outros. E gastamos gente, bombas, balas, queimamos gasolina para viaturas e helicópteros, cansamos (e irritamos) os soldados. Os senhores da guerra são sempre os que sairão lucrando. Impressionante.
A ignorância atrasa a humanidade. Espalha o medo. Vi gente se comprazendo com o fim de um compatriota, até vangloriando-se como se isso significasse o fim de todos os traficantes do mundo, o fim das drogas, a sanção divina. O exemplo supremo. 
E o número de vezes (algumas centenas) que me deparei com pessoas se perguntando por que é que ninguém estava tão chateado com morte de dois mil nigerianos tanto como com a morte dos cartunistas da revista? Ninguém? Você é o quê? Porque se espera sempre dos outros ações e reações, me pergunto? Porque sempre se espera que alguém siga na frente para ser fuzilado antes? Daí virarem heróis ou heroínas, esquecidos minutos depois? A opinião própria não tem mais sentido? Não há mais personalidade?
Também vi gente que anda tão com a cabeça virada pelo petismo que está achando até que a pesquisa internacional que constatou que 2014 foi o ano mais quente de todos foi desencavada pelos jornais por interesse em amenizar a situação da água e a vida dos tucanos em São Paulo. O calor por aqui está mesmo infernal, mas também ouvi uma senhora dizendo que usaria um leque só porque alguém disse na televisão que era a boa – antes ela tinha vergonha. 
Lembrei muito de minha mãe, quando falávamos que tal amigo tinha feito tal coisa e não entendíamos por que nós não podíamos fazer o mesmo e ela dizia: ah, se ele for se atirar da ponte, você também se atira?
*jornalista