Apesar da retração econômica atual, os financiamentos de veículos no Brasil apresentaram, nos últimos anos, significativo crescimento. Em setembro de 2014, foram financiados 564,5 mil carros, entre novos e usados, um aumento de 5,44% em relação ao mesmo período do ano passado.
Esse avanço tem dado margens a questões jurídicas das mais variadas. Uma destas, em especial, trata sobre a responsabilidade pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) nos casos de financiamentos com alienação fiduciária em garantia.
Alguns estados, especialmente Minas Gerais e São Paulo, têm exigido das instituições financeiras o pagamento do IPVA, na condição de responsáveis, nos casos em que os veículos são negociados nessas condições.
Em Minas, por exemplo, a administração fazendária, amparada pela Lei Estadual nº. 14.973, de 2003, entende que na alienação fiduciária de veículo automotor, o fiduciante (adquirente do bem) responde solidariamente com o fiduciário (instituição financeira) pelo pagamento do IPVA e dos acréscimos legais devidos.
Porém, o que mais tem atemorizado as instituições financeiras é a insegurança jurídica que se estabeleceu sobre a questão.
O estado mineiro, por exemplo, atribui responsabilidade tributária à instituição financeira mesmo nos casos em que não há inadimplemento do financiamento e o veículo ainda continua de posse do adquirente, sem que tenha havido a sua retomada pelo credor fiduciário.
Pensamos, porém, que esta interpretação não encontra amparo legal.
Isso porque a Lei nº 9.514, de 1997, que regulamenta a alienação fiduciária de bens móveis, dispõe que a alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
Em que pesem entendimentos em sentido oposto, entendemos que a denominação conferida às partes do negócio jurídico (proprietário fiduciário, alienante, fiduciante, dentre outras), pouco importa à determinação do seu real conteúdo jurídico. O que qualifica a alienação fiduciária é a garantia, no sentido de confiança, que enseja a transferência em fidúcia da propriedade, mas não a transferência da propriedade propriamente dita.
A condição resolutiva confere caráter precário à suposta “propriedade” do fiduciário, posto que este não pode usar, gozar ou dispor dos bens durante o curso do financiamento. Nessa linha, as instituições financeiras somente podem ser responsabilizadas pelo pagamento do IPVA nos casos em que os bens são retomados por inadimplência do fiduciante.
É de se salientar, porém, que a jurisprudência atual tem considerado, inversamente, que a propriedade do bem alienado fiduciariamente é da instituição financeira, sendo o devedor apenas o possuidor direto até que haja o adimplemento da obrigação.
A questão, entretanto, ainda não foi definida, uma vez que está pendente, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgamento da matéria pela Primeira Seção, órgão responsável pela uniformização das questões tributárias.
Além disso, dada a ausência de Lei Complementar Federal que estabeleça normas gerais em matéria de IPVA, a questão deverá ser analisada, definitivamente, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), à luz da Constituição da República de 1988.
Se o entendimento que atualmente predomina for mantido, poderá haver aumento no custo dos financiamentos, bem como maiores restrições à liberação de créditos. Os impactos seriam sentidos, inclusive, nos financiamentos imobiliários, haja vista o crescimento da alienação fiduciária de bens imóveis.
Espera-se que o Judiciário se atente para as peculiaridades desta questão e aos aspectos modernos dos negócios jurídicos financeiros, afastando a responsabilidade dos credores fiduciários nos casos em que não houver inadimplemento dos contratos de financiamento.
 
*Eduardo Arrieiro é advogado especializado em Direito Tributário e sócio da unidade de Belo Horizonte (MG) do escritório Andrade Silva Advogados – eduardo@andradesilva.com.br