Um tipo de financiamento pouco praticado no Brasil, mas que tende a se desenvolver bastante é o chamado home equity, que consiste em um empréstimo concedido a pessoas físicas, normalmente por uma instituição financeira, tendo como garantia um imóvel quitado. Esse produto, às vezes apelidado de “refinanciamento imobiliário”, apresenta características singulares: a) não é propriamente financiamento imobiliário, mas sim crédito pessoal, pois o devedor já é dono do imóvel; b) o valor do empréstimo é disponibilizado ao devedor de uma única vez, podendo dar a destinação que bem entender; c) como tem garantia real, os juros são mais baixos que nos empréstimos semelhantes.
Para os agentes financeiros, o home equity representa mais um produto a ser ofertado, que permite emprestar dinheiro a pessoas físicas com considerável segurança, lastreada na alienação fiduciária de imóvel livre de outros ônus. Para os tomadores do crédito, possibilita utilizar o imóvel já pago para levantar recursos novos, a serem investidos em qualquer finalidade. Nesse sentido, constitui uma quebra de paradigma, pois tradicionalmente em nosso país o imóvel de pessoa física é utilizado apenas como garantia do financiamento para aquisição do próprio bem.
Embora não seja de todo nova, essa modalidade de crédito deve ter considerável incremento em virtude de recente incentivo governamental, contido na Medida Provisória 656, do último dia 7 de outubro. Em seu art. 50, a MP permite ao Conselho Monetário Nacional estabelecer o direcionamento de recursos de poupança captado pelas instituições financeiras também para “operações de empréstimos para pessoas naturais, garantidas por alienação fiduciária de coisa imóvel”. Em outras palavras, o CMN poderá permitir aos bancos que cumpram parte da exigibilidade de crédito ao mercado imobiliário (chamado no mercado de Mapa 4) com operações de home equity.
Trata-se de um instrumento poderoso de obtenção de crédito, mas que demanda cuidados, devendo ser utilizado com moderação, sob pena de trazer insegurança para todas as partes. Veja-se que o devedor, ao adquirir o crédito, recebe dinheiro vivo para empregar como quiser. Pode fazer bom uso dos recursos, como quitar dívidas com juros maiores, adquirir novo imóvel ou fazer investimentos seguros, mas pode também ceder aos impulsos de trocar de carro, fazer viagens, comprar bens de consumo não essenciais, comprometendo seu imóvel sem necessariamente aumentar seu patrimônio ou estabilizar sua situação financeira. Deve-se lembrar que, na hipótese de inadimplemento, o imóvel será levado a leilão, sendo polêmico, nesses casos, o cabimento da proteção do bem de família.
Para o credor, a concessão indiscriminada do crédito também pode representar risco, pois se os valores dos empréstimos forem elevados, as chances de inadimplência também aumentam, inclusive em face da pouca educação financeira das famílias, demonstrada pelo atual endividamento excessivo.
Considerando-se que o objetivo não é executar as garantias, mas receber o crédito, a inadimplência, mesmo quando há garantia real, é sempre ameaça às instituições credoras. Nesse sentido, é prudente a determinação da Resolução 4271/13 do Banco Central de que o empréstimo a ser concedido não pode superar 60% do valor de avaliação do imóvel. Entretanto, deve o credor ser mais criterioso: o devedor não perderá o imóvel da família por dever trinta ou quarenta mil reais, pois a dívida acabará sendo quitada com ajuda de parentes, venda do carro ou outras medidas, mas a situação é diferente se o empréstimo for de valor expressivo.
O uso imoderado do home equity, somado a um quadro macroeconômico desfavorável, tende a provocar uma elevação generalizada da inadimplência e das execuções, fazendo com que muitos devedores percam seu imóvel. Em tal cenário, o Poder Judiciário poderia até mesmo flexibilizar a aplicação da alienação fiduciária (como já fez anteriormente com a hipoteca, por meio da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça), especialmente no caso do chamado bem de família, o que traria séria ameaça à segurança jurídica e econômica dos financiamentos.
Convém lembrar, ainda, a recente experiência norte-americana, cujo mercado gigantesco de home equity contribuiu para que os efeitos da crise financeira de 2008 atingissem a economia de forma bastante aprofundada. Neste ponto, o Brasil leva vantagem, pois os critérios de concessão de crédito são bem mais rígidos, cuidado que deve ser preservado diante da potencial expansão do crédito com garantia real imobiliária.
Por fim, deve-se observar que o incentivo governamental vem em um momento econômico complexo. Embora o home equity possa ser um bom fomentador da economia como um todo, justamente por injetar dinheiro para consumo, certamente não ajuda a conter a inflação. Mas isso é outra história.
*sócio de Bicalho e Mollica Advogados, professor de pós-graduação (MBA) da Escola Politécnica da USP e membro do Conselho Jurídico do Secovi/SP.