Horrível esse neologismo, talvez criado agora por mim, mas acho melhor do que se comemorar halloween.

Na falta de mais o que fazer, pois ando pouco ocupado, sem precisar olhar constantemente para o retrovisor, avaliar a próxima subida mais a frente na estrada ou procurar por uma pousada/hotel em conta, resolvi escrever-te uma carta, como se fora nos anos 60.
À época, o nosso facebook era os “Cantinhos de Amizade”, seções de troca de endereço para correspondência entre jovens nas revistas dirigidas a esses. Não se sonhava com internet, mal se sabia o que se passava no mundo além de nossa vizinhança. Também isso não nos preocupava tanto como atualmente. Éramos bem mais felizes, simplesmente porque haviam menos solicitações ao redor. Não existia o termo estresse, não se drogava nem faltava escola ou emprego, a nossos pais e a nós, jovens de 15 anos ou menos, que começávamos assim a nos tornar adultos – e não por decretos. Estudávamos porque sabíamos ser o mais adequado ao futuro. Nossos pais nada recebiam para isso.
Conheci você em uma de minhas pedalanças, bem ao acaso. Fora procurar por uma pessoa determinada, no teu mesmo local de trabalho. Como tal pessoa não estava naquele dia, você me falou para voltar no dia seguinte, ou no outro ainda, se não me falha a memória. Nosso relacionamento teria findado aí, normalmente.
Mas você não é uma pessoa normal (eu também não o sou, por motivos outros, salta à vista) e me perguntou uma coisa e outra e mais outra. Ficou impressionada com minha atividade de viajar pelo Estado de SP em bicicleta. Da minha parte impressionou-me tua simpatia e facilidade de comunicação, de fala envolvente. Pontos em comum em nossa vida reforçou a empatia recíproca. Teu amor pelos livros, menor apenas que o dedicado ao marido e filho, alinhavou nosso bate-papo. Hoje me pergunto como pude conversar tanto assim com um estranho, logo eu que costumava responder com monossílabos quando interpelado.
Nos anos 60 era comum em nossas correspondências indagar sobre a cidade do amigo, depois eu procurava em um mapa do Brasil e colocava percevejos (o metálico, não o inseto) para marcar os locais, sonhando em um dia conhecer aquela cidade e pessoa. Eu não te contei isso… Com você não preciso fazer essa pesquisa, pois que conheço muito bem a tua cidade. E não é que você, parecendo leitora de mente (presente e passado), perguntou se eu marcava as cidades pelas quais passei pedalando em um mapa, lembra?
No filme Annie Hall, Woody Allen cria um termo para definir sua namorada: transplêndida. Que eu tomo emprestado para te rotular (não é isso que fazemos todo o tempo nessa sociedade orwelliana?).

 

*Técnico em informática e ciclista que pedalou por diversas cidades do estado de São Paulo.