Uma análise, até sem muita pretensão de acuidade, das reações do governo aos protestos deste fim de semana permite inferir que, ainda que esteja ouvindo com os ouvidos o recado das ruas, ele está acreditando que tudo não passa de um arroubo momentâneo da população e que maiores rebeldias da parte dela não advirão. Só assim para se entender que os pronunciamentos dos últimos dias não hajam feito menção a nada de concreto que mostrasse, por mais minimamente que fosse, que o governo concorda que a população, ainda que seja parcialmente, tem razão. O discurso apresentado não passa de uma tentativa de esfriar o movimento social, na esperança de que a sociedade acabe por continuar exercendo seu costumeiro comodismo, como aconteceu até agora. Senão, veja-se:
Imediatamente após as manifestações do último dia 15, o Ministro da Justiça inicia seu pronunciamento destacando a disposição do governo ao diálogo. Ou seja, foi necessário que dois milhões de pessoas fossem às ruas protestar pelo fim da corrupção, pela falta de governabilidade e contra o estelionato eleitoral que foi a campanha da presidente Dilma, para que o governo entendesse que precisa dialogar.
Ora, ainda que o discurso tenha sido muito bonito em termos de chamar para a mesa de conversações tanto os que comungam com o ideário do governo quanto os que dele divergem, sempre dentro do mais alto espírito democrático, é de conhecimento de todos que diálogo não é o forte nem da presidente nem do seu governo. Não há diálogo sequer com os ministros e com os aliados, que estão bombardeando o governo por todos os lados, que dizer com a oposição e setores da sociedade que, ainda que não ligados a partido algum (ou até talvez, justamente por isso) são altamente críticos e fazem a crítica com qualidade. Esse governo que ai está, por mais que o sr. ministro diga o contrário, é avesso a críticas e não tem predisposição nenhuma para assumir seus equívocos, até porque, assumi-los significaria se desnudar, coisa impensável para o PT.
Na sequência foram apresentadas como respostas do governo às manifestações o compromisso de enviar ao congresso proposta de legislação contra a corrupção e, pasme-se, proposta de reforma eleitoral. Então, na avaliação do governo, primeiro: o problema com a corrupção não é que os gestores por ele indicados para os órgãos e empresas públicas são corruptos com a conivência do governo e a mando dos partidos, para extorquir valores, que, mais do que satisfazer sua ganância pessoal, são invertidos para que os partidos possam sustentar suas máquinas e o governo possa comprar parlamentares para ver seus projetos, que, via de regra, interessam exclusivamente aos governantes e não à nação, aprovados.
O problema é a legislação, que é falha. E, segundo: o executivo entende que o problema mais premente sobre o qual ele, executivo, deve se debruçar é sobre uma questão que diz respeito, se não exclusivamente, em maior medida, ao legislativo. A presidência entende que os problemas econômicos de toda ordem, que assolam o país e que refletem diretamente na população, e que cabem a ela resolver, são secundários diante da responsabilidade dele, executivo, se debruçar sobre uma questão que diz respeito ao congresso. O governo está ouvindo com os ouvidos, mas está muito longe de poder responder dignamente aos anseios populares.
*professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências dos Materiais do Departamento de Física e Química da Faculdade de Engenharia da Unesp de Ilha Solteira.