A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio a vocês. (Jo. 20, 19 – 31).
O texto inicia situando a cena no tempo. É a tarde do domingo da Páscoa, para os judeus, já havia iniciado um novo dia. Para João, contudo é ainda o dia da ressurreição, a nova era inaugurada pela vitória de Jesus sobre a morte. A referência a tarde do domingo reflete a práxis cristã de celebrar a eucaristia no dia do Senhor, à tardinha.
Estamos, portanto num contexto eucarístico. As portas fechadas denotam um aspecto negativo, o medo dos discípulos e um aspecto positivo, o novo estado de Jesus ressuscitado, para o qual não há barreira.
Os discípulos estavam com medo das autoridades que haviam condenado Jesus à morte. É por isso que eles estavam reunidos a portas fechadas. Jesus já tinha ressuscitado, mas a comunidade ainda não havia compreendido a vitória da vida sobre a morte.
Jesus entra e fica no meio dos discípulos. O evangelho quer mostrar que Jesus é o centro da comunidade, e que deseja a paz para todos. Jesus não quer medo, mas paz. Na bíblia, a palavra paz (shalom) significa liberdade e vida em plenitude, sem exclusões, saúde, moradia, educação, alimentação, trabalho, lazer, e somos convidados hoje a vencer o medo e conquistar a paz.
Quando o evangelho fala que Jesus sopra sobre os discípulos, não é à toa. O evangelista João quer mostrar que Jesus inicia uma nova criação. Vamos lembrar no Gênesis, Deus havia dado vida ao ser humano soprando nele o sopro da vida. Agora vencedor da morte, Jesus é que começa uma nova criação. Ele vem para dar a paz, a vida em plenitude.
Jesus envia o Espírito Santo. E o Espírito Santo é que vai animar os discípulos a continuar essa nova criação começada por Jesus, porque o Espírito é a presença de Deus na comunidade.
Jesus quer que os discípulos perdoem. No evangelho de João, pecar significa colaborar com os projetos de injustiça e morte. O poder de perdoar representa a missão dos discípulos de Jesus, que é trazer as pessoas de volta à vida, ao projeto de vida de Jesus. Perdoar é criar condições para que a pessoa empenhada num projeto de morte passe a colaborar com o projeto de vida do Jesus e trabalhe em favor da paz.
Por sua morte e ressurreição ele se tornou aquele que venceu o mundo e a morte. É a saudação do Cordeiro vencedor que ainda traz em si os sinais de vitória, as marcas nas mãos e no lado.
A reação da comunidade é a alegria que ninguém, de agora diante, poderá suprimir. Assim fortalecida, a comunidade está pronta para missão que o próprio Jesus recebeu. Como o Pai me enviou, assim também eu envio vocês. Quem garante a missão da comunidade será o Espírito Santo.
O Pentecostes acontece aqui, na tarde do dia da ressurreição. De agora em diante, batizados no Espírito Santo os cristãos têm encargo de continuar o projeto de Deus. Esse projeto é sintetizado assim: Os pecados daqueles que vocês perdoarem serão perdoados; os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.
Jesus sopra sobre os discípulos e lhes comunica sua própria missão. O sopro recorda Gn 2,7, o sopro vital do Deus que comunica a vida. João quer dizer que aqui, no dia da ressurreição, nasce a comunidade dos seguidores de Jesus, aos quais eles confia sua própria missão.
Os discípulos continuam a ação de Jesus, pois ele lhe confere a sua missão. Pelo Espírito que recebem dele, são testemunhas perante o mundo. Sua atividade como, a de Jesus, é a manifestação por atos e obras do amor gratuito e generoso do Pai. Diante deste testemunho, sucederá o mesmo que sucedeu a Jesus: haverá os que aceitarão e darão sua adesão a Jesus e os que endurecerão em sua atitude hostil ao homem, rejeitarão o amor e se voltarão contra ele, chegando inclusive a dar a morte aos discípulos em nome de Deus.
Não é a missão da comunidade, como também não o era a de Jesus, julgar os homens. O seu julgamento, como o de Jesus, não faz senão constatar e confirmar o julgamento que o homem dá sobre si mesmo, diante do projeto de Deus.
Muito provavelmente o episódio de Tomé foi lembrado para eliminar mal-entendidos na comunidade, segundo os quais as testemunhas oculares estariam num plano superior em relação aos que não viram pessoalmente o Senhor ressuscitado. Esse era um conflito presente nas comunidades no fim do primeiro século.
Tomé representa as pessoas que não acreditam no testemunho da comunidade e na ressurreição de Jesus. Ele quer ver fisicamente para acreditar. E como se diz: preciso ver para crer. Tomé quer um sinal. E Jesus dá esse sinal dentro da comunidade. Também hoje, só vamos encontrar os sinais da ressurreição de Jesus dentro das comunidades que lutam em favor da vida. Nunca vai dar para encontrar sinais de vida plena de Jesus nos projetos de morte.
Disse Tomé Meu Senhor meu Deus, é a maior profissão de fé.
Exultai e alegrai-vos, porque o Senhor ressuscitou verdadeiramente, Aleluia!
*contador e coordenador da comunidade Eclesial de Base. Ministro da palavra e celebração da Igreja Matriz Nossa Senhora Aparecida em Dracena.