O médico brasileiro responsável por fazer o transplante multivisceral na menina Sofia Lacerda, de um ano e três meses, diz que o desafio de ter uma vida tão frágil em suas mãos não o incomoda. Rodrigo Vianna, de 44 anos, é diretor do setor de transplante de órgãos sólidos do Miami Transplant Institute, nos Estados Unidos. “Já realizei e participei de mais de 400 transplantes intestinais e multiviscerais como o da Sofia. Estou ficando de cabelo branco de operar estes pacientes…(risos). Mas a responsabilidade faz parte da minha vida e não me incomoda. Amo o que faço”, revela o médico.
Sofia nasceu em Campinas (SP) com Síndrome de Berdon, uma doença rara que causa a má formação de vários órgãos do sistema digestivo. Ela sequer conheceu a casa dos pais, em Votorantim (SP), já que sempre ficou hospitalizada. Ela chegou a ser submetida a três procedimentos cirúrgicos no Brasil, mas ainda necessitava de atendimento especializado para a síndrome rara e para o transplante multivisceral, que não poderia ser realizado no país. A transferência da menina para os EUA só aconteceu por determinação da Justiça, que ordenou que a cirurgia, estimada em R$ 2 milhões, fosse paga pelo governo brasileiro.
Após dez meses na fila de espera por um doador, a menina passou pelo transplante na sexta-feira (10), em uma cirurgia que durou dez horas. Segundo Vianna, o procedimento foi complexo por conta do estado avançado da doença hepática da paciente. “Ela recebeu estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado e cólon. Não foi preciso trocar um dos rins, como imaginávamos no início”, afirma.
Após superar a cirurgia, a menina tem o desafio de enfrentar um complicado pós-operatório. “As primeiras 72 horas são bastantes críticas, mas ela passa relativamente bem, estável e dentro do esperado. Os riscos são de complicações cirúrgicas e infecciosas na primeira semana. Estes pacientes são muito debilitados. Recebem medicações muito fortes para evitar a rejeição [dos órgãos], que acontece em 20% dos casos, e estas medicações baixam o sistema imunológico. A Sofia, por exemplo, está tomando mais de 20 remédios”, explica.
Em uma postagem na página que a mãe tem em uma rede social, ela disse que a menina está se recuperando bem, apesar de ainda necessitar de cuidados intensos. “Ainda temos muito que enfrentar, é uma montanha russa de sentimentos, mas sempre confiei em Deus e sei que logo tudo estará bem. Logo veremos nossa bonequinha brincando, comendo e livre”, afirmou.
Vida de transplantes
Nascido em Curitiba, Vianna é formado pela Universidade Federal do Paraná e mora há 16 anos em Miami, com a esposa e três filhos.
Ele conta que a vontade de trabalhar como cirurgião de transplante surgiu já na época que fazia residência no Brasil e, até por isso que, quando terminou o curso, se mudou para Miami, em 1999. “No Brasil não havia treinamento formal nesta área. Fiz outros três anos de residência em Miami, onde me especializei em transplante de órgãos abdominais, principalmente de fígado, intestino e de múltiplos órgãos”, diz.
“No meio de tanta notícia ruim, pelo menos a Sofia leva um pouco de esperança de que podemos fazer o que é certo para o nosso povo. Ver a luta da família e o carinho da nossa gente tem sido uma sensação muito gratificante. O futuro é imprevisível, mas pelo menos existe a chance de recomeçar a vida. E isto não tem preço”Rodrigo Vianna, médico
Após o período de estudo em Miami, o médico brasileiro foi diretor do setor de transplantes intestinais e multiviscerais em um hospital de Indianápolis durante nove anos. Mas, em 2012, mudou-se novamente para Miami, onde assumiu o cargo de diretor de transplante de órgãos sólidos do Miami Transplant Institute, onde trabalha atualmente. A unidade é considerada um dos maiores centros de transplantes do mundo, com mais de 10 mil procedimentos já realizados, e um dos poucos lugares onde o transplante multivisceral é feito com sucesso.
“Já chegamos a realizar o transplante de sete órgãos de uma única vez, em um paciente com três meses de vida”, lembra.
Apesar da alegria por realizar mais um procedimento com sucesso, o especialista revela que fica incomodado com o fato de não poder ajudar mais pessoas que precisam do transplante de múltiplos órgãos. “Queria poder ajudar todos que esperam por este tipo de cirurgia, mas infelizmente pouquíssimos conseguem chegar aqui [no hospital em Miami]. Isso, sim, me incomoda profundamente”, lamenta.
O transplante de Sofia teve também a participação de outro brasileiro: o médico Thiago Beduschi, que fez a captação dos órgãos do bebê doador. A participação de dois brasileiros na luta pela vida da menina é motivo de orgulho para Vianna. “No meio de tanta notícia ruim, pelo menos a Sofia leva um pouco de esperança de que podemos fazer o que é certo para o nosso povo. Ver a luta da família e o carinho da nossa gente tem sido uma sensação muito gratificante. O futuro é imprevisível, mas pelo menos existe a chance de recomeçar a vida. E isto não tem preço”, finaliza.