Concentração de profissionais na Região Sudeste, alto índice de desgaste no trabalho e salários defasados. Essas são as principais conclusões da pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Conselho Federal de Enfermagem.
O estudo foi feito em 50% dos municípios brasileiros e em todas as 27 unidades da Federação. O levantamento inclui desde profissionais em começo de carreira até aposentados. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indicam que a área da saúde no país é composta por um contingente de 3,5 milhões de profissionais – cerca de 1,7 milhão na enfermagem.
Os números mostram que a enfermagem brasileira é composta por um quadro de 80% de técnicos e auxiliares (nível médio) e 20% de enfermeiros (nível superior). No quesito mercado de trabalho, 59,3% das equipes estão no setor público, 31,8% no privado, 14,6% no setor filantrópico e 8,2% nas atividades de ensino.
Considerando a renda mensal de todos os empregos e atividades exercidas, a pesquisa constatou que 1,8% dos profissionais, cerca de 27 mil pessoas, recebe menos de um salário mínimo por mês, enquanto 16,8% declararam ter renda mensal total de até R$ 1 mil. Os setores em que há mais subsalários, segundo o estudo, são o privado e o filantrópico. Em ambos, os vencimentos de mais da metade do contingente empregado não passam de R$ 2 mil.
O levantamento aponta que os técnicos e auxiliares apresentam escolaridade acima da exigida para o desempenho de suas atribuições, com 23,8% reportando nível superior incompleto e 11,7% tendo concluído curso de graduação. Ainda assim, a dificuldade de encontrar emprego foi relatada por 65,9% dos profissionais, sendo que 10,1% indicaram situação de desemprego nos últimos 12 meses.
De acordo com os dados, mais da metade dos enfermeiros (53,9%) e técnicos e auxiliares de enfermagem (56,1%) se concentram na Região Sudeste, enquanto a Região Norte apresenta a menor concentração, com 17,2% do total de equipes de enfermagem.
“A pesquisa nos surpreendeu e eu diria uma surpresa foi negativa”, avaliou a coordenadora-geral do estudo e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Maria Helena Machado. “O estudo aponta dados preocupantes e que precisam de providências urgentes pelo Congresso Nacional, governo federal, governos estaduais e municipais”.
Para ela, o cenário é de desvalorização da enfermagem no país. “Há muita gente vivendo de subempregos ou bicos, sem carteira assinada e nenhuma garantia nem a garantia de trabalho no dia seguinte. É o que chamamos de subjornada”, explicou. Maria Helena lembrou que 66% dos profissionais entrevistados relataram desgaste no ambiente de trabalho.
O presidente do Conselho Federal de Enfermagem, Manoel Carlos Nery, acredita que a categoria representa, atualmente, a maior força de trabalho na saúde, mas precisa de cuidados e de merecida importância. Ele avaliou como urgente a aprovação de um projeto de lei para regulamentar a jornada de trabalho na enfermagem.
“Os dados mostram que os profissionais trabalham em jornadas muito altas, recebem salários, em sua maioria, muito baixos e que obrigam o profissional a ter mais de um vínculo de trabalho e em condições muito ruins.”
Maria Aparecida de Souza, 49 anos, trabalha como técnica de enfermagem há dez anos, sendo os dois últimos em um posto de saúde do Distrito Federal. Como o salário não é alto, faz hora extra em um hospital da capital federal. A jornada mensal de trabalho chega a quase 100 horas. “É um trabalho exaustivo. Hoje mesmo estou sozinha no posto porque os outros membros da equipe estão de atestado”.
Entre as atribuições que cabem à Maria Aparecida estão a de acolher os pacientes, checar a pressão, buscar medicação na farmácia do posto, fazer curativos e retirar pontos. “A gente fica lá na frente e acaba fazendo mais”, contou. A técnica, na verdade, tem curso superior em enfermagem, mas aguarda ser chamada pela Secretaria de Saúde para assumir o cargo como enfermeira.
“Eu era professora na rede particular de ensino. Convivia com muita violência, muito aluno ameaçando professor. E, naquela época, gostava de enfermagem. Hoje, apesar de tudo, não me arrependo.”